O disco parece mais um mimo que a fama pode sustentar do que uma demonstração de talento ou algo necessário à música.
Quando o ator inglês Hugh Laurie apresentou o disco Let Them Talk, num show em New Orleans, em março deste ano, cortejou a platéia dizendo que não lembrava onde estava quando John Lennon morreu. Mas sabia exatamente onde estava e a reação que teve – segundo ele, ficou arrasado – ao saber da morte de Muddy Waters, um dos pilares do blues.
A louvação a Muddy não deixa de ser um pedido de entrada no mundo onde cantores e músicos negros são destaques desde a sua gênese e, em raras exceções, um branquelo britânico alcançou a consagração.
Laurie, de 51 anos, conhecido mundialmente como o ferino Dr. House, da série de TV de mesmo nome, já havia demonstrado seus dotes musicais em alguns episódios tocando piano e guitarra, e se declarado um apaixonado por blues. O disco, que esta semana alcançou o 2º lugar nas paradas britânicas e que ele apresentará numa série de shows pela Europa, deveria ser uma espécie de tributo.
Ao que interessa: teria sido melhor idéia conservar o gosto pelo estilo nos elogios públicos ou, no máximo, em um disco gravado para ser distribuído entre amigos e familiares.
Com um repertorio de 15 standards de compositores lapidares e canções cuja autoria se perdeu de tão entoadas, Laurie se mostrou um admirador esmerado e bom conhecedor do gênero. Daí a, com sua voz limitada de taquara rouca, lançar um disco, pareceu mais um mimo que a fama pode sustentar do que uma demonstração de talento ou algo necessário à música.
O disco, produzido pelo experiente Joe Henry, que trabalhou com Elvis Costello e Madonna, tem músicas que são consideradas verdadeiros hinos (na voz de grandes intérpretes). A banda que acompanha Laurie no álbum tem músicos experientes e ele até convenceu a cantora Irma Thomas a cantar John Henry, e o cantor Tom Jones a participar de Baby, Please Make Me Change. Boas companhias não faltam. O escasso são as credenciais do intérprete. Canções como Police Dog Blues, Six Cold Feet in the Ground e Old Folks at Home compõem um panorama abrangente de blues criados entre o fim do século XIX, quando engatinhava fundindo-se aos cantos religiosos, e meados dos século XX. Mas isso não basta.
Mal comparando – embora o estrago dessa vez seja menor – Laurie segue a linha do publicitário brasileiro Roberto Justus, que em 2007 destruiu músicas como My Way, Always on My Mind e Something no disco Entre Nós, cuja alegação era a mesma: tributo. O gênero escolhido pelo ator, secular e entranhado na cultura americana, não precisaria de tanto.
Laurie não é o primeiro ator a se aventurar pela música depois de se tornar famoso na TV ou no cinema. Juliette Lewis, Kevin Costner e Scarlett Johansson, para ficar entre os mais recentes, lançaram discos e mantêm bandas mais ou menos bem sucedidas.
Mas basta ouvir a versão de Battle of Jericho, um canto doloroso composto por escravos enquanto colhiam algodão às margens do Mississipi, para rogar ao ator que esqueça a ameaça de largar a série de TV que lhe rende milhões de dólares por ano – o suficiente para sair gravando discos e fazendo shows – para se dedicar aos palcos. A série perderá um protagonista impecável e a música ganhará um estorvo sem tamanho.