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‘Índice, uma História do’: a incrível saga da invenção que moldou o mundo

Num mergulho fascinante pela história e cultura, o inglês Dennis Duncan atesta como o índice mudou a civilização — e está na base até da era digital

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 09h37 - Publicado em 4 fev 2024, 08h00

Você acorda pela manhã e checa a previsão do tempo. Ao sair para o trabalho, traça a rota até o escritório no GPS e busca uma música para embalar o tempo no trânsito. No almoço, a internet entrega o cardápio dos restaurantes próximos, e uma pesquisa rápida indica por onde andam os atores do filme exibido na TV. Ao fim do dia, uma parte significativa das 24 horas foram usadas buscando algo, um hábito comum atualmente, mas que tem origem bem antes da criação da internet. “Nossa capacidade de pesquisar coisas remonta a 800 anos, com uma tecnologia inventada por monges: os índices”, atesta o estudioso inglês Dennis Duncan, autor de Índice, Uma História do, livro que disseca de forma fascinante a evolução da ferramenta desde seu surgimento, com os manuscritos medievais, até a era digital.

Índice, uma história do

Índice, uma história do, de Dennis Duncan (tradução de Flávia Costa Neves Machado; Fósforo; 328 páginas; 99,90 reais e 69,90 reais em e-book)
Índice, uma história do, de Dennis Duncan (tradução de Flávia Costa Neves Machado; Fósforo; 328 páginas; 99,90 reais e 69,90 reais em e-book) (./.)

Para entender como o índice se tornou um instrumento vital para o conhecimento humano, é preciso voltar alguns séculos no tempo: de modo genérico, a ferramenta é uma lista localizada no começo ou fim dos livros que indica onde encontrar capítulos, palavras e temas no manuscrito, agilizando o processo de leitura. Seu surgimento remonta ao século XIII, época em que pregadores e estudiosos buscavam alternativas para achar de maneira rápida certas passagens dos livros sagrados. Surgiram, então, os primeiros protótipos de índices, organizados por frases, palavras-chave ou temas. Nesse cenário, Hugo de Saint-Cher (1200-1263) e Robert Grosseteste (1175-1253) se impõem como “pais” da inovação: o primeiro, cardeal francês, promoveu uma inédita reorganização da Bíblia, desmembrando os capítulos em sete parágrafos e organizando uma lista alfabética de todas as palavras que apareciam nas Escrituras. Contemporâneo inglês de Saint-Cher, Grosseteste foi além e inventou uma tábula que organizava uma vasta gama de conhecimentos, indo dos escritos religiosos de Santo Agostinho (354-430) aos tratados filosóficos de Aristóteles (384 a.C-322 a.C). “Oitocentos anos antes de o Google existir, esse cara criou uma ferramenta em que você podia procurar tudo”, diz Duncan. Dividida em 440 tópicos temáticos, começando por Deus, a obra de Grosseteste deu origem ao que hoje chamamos de índice remissivo de assuntos, espécie de guia de leitura encontrado com frequência ao final de obras de não ficção.

Aristóteles

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Criado com o objetivo de facilitar o acesso ao conhecimento, o índice teve seu poder ampliado depois do surgimento da impressão, possibilitada pela prensa de Gutenberg (1396-1468) em 1439 — o primeiro exemplar saído de seu prelo foi A Doutrina Cristã, de Santo Agostinho, um texto de 29 páginas com um índice de sete. Junto com a popularização da ferramenta, ampliou-se também o temor de que ela mudasse completamente a cultura da leitura, e para pior. “A preocupação era de que as pessoas não leriam mais livros do início ao fim, e que as obras se tornariam um banco de dados”, diz o autor. No livro Se um Viajante numa Noite de Inverno (1979), o italiano Italo Calvino (1923-1985) eleva a ideia ao extremo ao pintar o embate entre um homem que lê romances de modo tradicional e uma mulher que “lê” as obras lançando-as no computador e recebendo de volta uma lista de termos que resumem a história. O medo da tecnologia não se revela hoje de todo irreal: muitos livros de não ficção, de fato, são usados agora como catálogos de dados, e o consumo fugaz de trechos de obras na internet é comum. Apesar disso, a leitura de verdade resiste — assim como o índice, que evoluiu ao ponto de fazer parte da rotina diária de milhares de pessoas.

A doutrina cristã, de Santo Agostinho

Maior exemplo desse alcance, o Google tem um índice que agrega centenas de bilhões de páginas da web e segue a mesma lógica de um livro: quando uma página é criada, surgem centenas de entradas para as palavras presentes nela. Com isso, o algoritmo processa essas informações em velocidade inalcançável pelo cérebro humano. “A primeira coisa que precisamos entender é que, quando fazemos uma pesquisa no Google, não estamos realmente pesquisando na internet. Estamos pesquisando o índice do Google na internet”, disse certa vez Matt Cutts, engenheiro da empresa.

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SABEDORIA E TEMOR - Santo Agostinho (à esq.), Carroll (no alto) e Calvino: índice facilitou a vida, mas foi acusado de prejudicar a leitura
SABEDORIA E TEMOR - Santo Agostinho (à esq.), Carroll (no alto) e Calvino: índice facilitou a vida, mas foi acusado de prejudicar a leitura (Acervo Los Angeles County Museum of Art; Bettmann/Getty Images; Gianni GIANSANTI/Gamma-Rapho/Getty Images)

Outra ferramenta atual que potencializa, e muito, o poder do índice é o comando “ctrl+f”. Atalho presente em diversos sistemas, a combinação de teclas permite procurar qualquer palavra ou frase automaticamente numa obra. É quase como ter uma chave de catalogação como a de Hugo de Saint-­Cher para a Bíblia, mas para qualquer documento on-line — e com uma consulta muito mais ágil. Basta saber o que se quer encontrar.

Se um viajante numa noite de inverno

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Mesmo com o avanço na obsessão por catalogar dados e informações, o trabalho de indexar livros muitas vezes ainda é feito por mãos humanas ou com a supervisão delas. Ao longo da história, escritores famosos se empenharam na função nada glamourosa, entre eles Virginia Woolf (1882-1941) e Vladimir Nabokov (1899-1977). Já Lewis Carroll (1832-1898) foi um dos poucos a explorar a vertigem dos índices na ficção: em Algumas Aventuras de Silvia e Bruno, o instrumento serve de paródia de ações rotineiras, com entradas como “Cama, razão para nunca ir” e “Felicidade excessiva, como moderar”. De fato, é uma invenção de que não se pode escapar — e um mapa valioso do conhecimento.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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