Eu nasci em São Paulo, mas cresci em Osasco, na região metropolitana. Filho de uma professora de português e de um professor de educação artística, fui o primeiro e único da família a nascer com nanismo. Mesmo assim, minha família fez questão de que eu crescesse me sentindo igual a todas as crianças do bairro, e capaz de ser e fazer o que eu quisesse. Por isso, sempre brinquei na rua, joguei bola e até aprendi capoeira. Apesar de meus pais trabalharem na rede estadual de ensino, ambos optaram por me matricular em uma escola privada devido à preocupação com a minha mobilidade e com o preconceito alheio. Assim, entrei em um colégio com poucas turmas, que tinha acessibilidade e era aberto à diversidade. Lá, descobri o encanto pela atuação, aos 11 anos, quando participei da minha primeira peça, como Zeus. Esqueci algumas falas, precisei improvisar e todos acharam graça, me aplaudindo muito. Aquela sensação me despertou a ambição de virar ator. Quando entrei nessa área, enfrentei a discriminação óbvia e comum de profissionais do meio, sendo chamado para interpretar os papéis estereotipados designados a pessoas com nanismo. Hoje, não aceito nem fazer testes para personagens desse tipo e celebro a conquista de estar no elenco de Justiça 2, série de Manuela Dias que acaba de estrear no streaming, e do filme de suspense Dias Perfeitos, de Raphael Montes, previsto para este ano — ambos do Globoplay.
Quando cheguei ao ensino médio, comecei a estudar palhaçaria, passei a me voluntariar em hospitais infantis e em orfanatos e, aos 16 anos, consegui meu primeiro bico como ator, em uma campanha institucional de uma empresa privada. Na época do vestibular, prestei para vários cursos, passando em teatro na Universidade Federal de Pelotas (RS) e em turismo no Instituto Federal de São Paulo. Como fiquei inseguro de largar tudo para me mudar para o Sul do país, optei por cursar gestão de turismo na capital paulista e arranjei um trabalho burocrático em um banco. Sempre mantive a atuação em paralelo, fazendo cursos de curta e média duração, participando de workshops e oficinas, até me inscrever em um curso de roteiro.
Em 2012, quando tinha 21 anos, concluí a faculdade e estava decidido a perseguir a carreira de ator. Então, pedi demissão do banco. Contratei um agente, fui chamado para testes, aceitei pequenos papéis — muitas vezes até sem cachê, para ganhar experiência e contatos — até conquistar um trabalho na minha primeira série, Família Imperial, de Cao Hamburger, no canal Futura. Foi uma experiência incrível e até difícil de descrever poder trabalhar com o criador de Castelo Rá-Tim-Bum. Desde então, atuei em séries como O Rei da TV (Star+), além de filmes e curtas. Infelizmente, muitos produtores ainda não estão acostumados a enxergar pessoas com nanismo como atores sérios e já recebi várias propostas em que a descrição do papel era apenas “anão”, um termo pejorativo que ainda usam. Com o tempo, fui recusando trabalhos assim e, por sorte, não dependo deles para sobreviver. Atualmente, moro em Curitiba com a minha namorada e ajudo a criar a filha dela de 6 anos. Me inspiro em atores como Peter Dinklage, de Game of Thrones, e tive o privilégio de dublar seu personagem, Tyrion Lannister, nos audiolivros da série no Brasil.
O capacitismo está intrínseco na sociedade, mas gosto de provar que sou um artista que pode encarar qualquer desafio. Meu talento vai além da aparência e acredito que é preciso acabar com o preconceito nos bastidores também, com mais oportunidades para PCDs (pessoas com deficiência) em salas de roteiro e na produção. Assim, poderão nos tirar desse lugar infantil e lúdico a que nos sujeitam na maioria das vezes. Quero estar em cena cada vez mais.
Giovanni Venturini em depoimento dado a Kelly Miyashiro
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889