Tudo começou em 3 de outubro de 2020, em um show que fiz em Natal. Foi uma apresentação linda, com número limitado de pessoas e a casa seguindo os protocolos de distanciamento social impostos pela pandemia. Mas, no camarim, um dos músicos me disse que estava sentindo perda de olfato e paladar. Não cheguei a ficar muito perto dele, que logo depois testou positivo para a Covid-19. Após alguns dias, comecei a sentir a garganta arranhando e fiquei com uma tosse fraca. Fui medir a temperatura, estava com um pouco de febre. Corri para o hospital da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, de onde já saí tantas vezes são e salvo. Só que, nas outras vezes, entrei lá como cardiopata.
Agora era diferente. O medo que senti não se aproximava de nenhuma outra situação que tinha vivido. Desconfiaram de Covid-19. Fiz o teste e foi confirmado. Fiquei internado durante quinze dias. Foi sofrido. Você fica muito debilitado. A respiração falha. Só o esforço de passar de uma maca para a outra causa um cansaço extremo, como se tivesse disputado uma corrida de longa distância. Tenho muitas comorbidades, o que torna tudo mais complicado: minha idade é de risco, sou gordo, tenho problemas cardíacos e uma situação próxima de diabetes. Não há quem não pense o pior! Tive medo de morrer. Qualquer um tem. Você começa a se preocupar ao sentir falta de ar e perceber que pode ser o final. Sinceramente não achei que fosse sair. De 2002 até agora, passei por muitos procedimentos no coração. Mas, mesmo sabendo que, em todas essas vezes, estavam entrando no meu coração para que eu pudesse ser salvo, nada se compara ao susto que tomei com a internação por causa do vírus. Com o coração, os médicos estão lidando com algo que conhecem. Sobre o novo coronavírus, a medicina está aprendendo agora, durante o processo. Mas, quando a ciência lhe dá a mão, tem de ir.
No hospital, a música sempre esteve comigo. Várias vezes me pegava cantarolando enquanto lutava para sobreviver de uma doença que você enfrenta solitariamente. É assustador você achar que pode partir sem se despedir das pessoas que ama. Foi essa solidão que me fez escrever, na cama do hospital, a música 2020 d.C. Ela fala sobre a minha história. Um dos trechos diz: “Eu sobrevivi ao ano enfeitiçado, / quase pondo à prova a minha fé em Deus. / Mas nada nem ninguém nos capacita tanto do que essa mesma fé viral, / nesse mesmo Deus. / O que eu aprendi jamais se perderá e é tudo que desejo dar aos filhos meus”. Agora, quase um ano depois, voltei aos palcos e abro meu show Novos Tempos com essa canção. Venci a Covid-19, por Deus! Hoje, só penso em valorizar o trabalho dos profissionais de saúde que salvam vidas.
Quando voltei para casa, abri novamente a porta para a vida. Eu me sinto um sobrevivente, feliz e realizado. Meu maior desejo é ser longevo, com saúde plena. Estou falando e respirando naturalmente, reabilitado. E assumi a responsabilidade de me cuidar mais, por mim e por todos os que amo. Meus hábitos mudaram. A alimentação, a hora de dormir, até mesmo a maneira de fazer música. Sempre fui da madrugada, mas tudo se transformou. Tenho certeza de que não foi só o Jorge que mudou. É o povo todo que está mais consciente porque viu que, independentemente de classe, de cor, credo, todos estão na linha de perigo. O vírus que está por aí não tem cheiro, cor, e você pode pegá-lo de alguém da sua família. Vejo que tudo isso causou mudanças na humanidade, no comportamento, nos cuidados de higiene. Principalmente, vejo a consciência de que é preciso cuidar do próximo. É muito difícil entender o que está acontecendo, mas tudo isso me fortalece.
Jorge Aragão em depoimento dado a Simone Blanes
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754