Kleber Mendonça Filho: “Atacaram a cultura”
O cineasta que disputará a indicação a melhor filme internacional no Oscar diz que o conservadorismo castigou as artes e defende mais salas de cinema

Como avalia as chances de seu novo filme, Retratos Fantasmas, levar o Oscar? Há chances, sim, e isso tem a ver com uma história verdadeira, que toca as pessoas. Fala de cinema justamente em um período de retomada das salas de exibição. Também o Oscar está mudado. Os membros da Academia entenderam que é parte da indústria americana, mas é ao mesmo tempo global e está atento às produções de fora, a ponto de premiar estrangeiros nas principais categorias. Outro ponto que ajuda é o fato de o filme ter sido bem recebido em festivais internacionais.
Em que medida a primeira vez em que concorreu pelo Brasil por uma indicação ao Oscar, em 2014, é diferente desta? Me sinto profissionalmente mais maduro agora, mas tenho um imenso apego pelo outro filme, O Som ao Redor, que nunca saiu de cartaz no Brasil nem em outros países.
Os incentivos à cultura diminuíram nos últimos tempos. Como vê esse movimento? Houve ruídos na esfera política, com um claro pendor para o discurso conservador, de extrema direita, que tentou anular a cultura. Mas vejo uma curva boa, de retomada aos incentivos. Não dá para um país como o Brasil abrir mão da área cultural, sob o preço de perder uma voz potente, capaz de ecoar no mundo todo.
Retratos Fantasmas tornou-se o mais assistido documentário brasileiro desde 2018. Por que ainda enfrenta dificuldade para alcançar um público maior? Existe uma séria questão brasileira, que é a necessidade de formação de público. Para isso, precisamos de um circuito de salas a preços populares, voltada para uma programação diversa e de alta qualidade técnica. Não dá para depender exclusivamente das salas comerciais, ainda mais nos dias de hoje, sem a chamada cota de tela, que garantia um número mínimo de títulos nacionais em cartaz.
Assim como Bacurau e outros, Retratos Fantasmas traz algo de suas raízes recifenses. É um componente decisivo em sua obra? Ocorre de maneira natural. Cresci no Recife assistindo a uma TV feita no Rio e em São Paulo, o que tem enorme impacto na formação das pessoas. Se o seu sotaque não está na televisão, é visto como feio, estranho. Sempre achei que deveria contar histórias sobre o que conheço e que façam parte da minha experiência. Não conseguiria produzir um filme no qual você passa desinfetante para que não haja nenhuma impressão digital do autor.
A greve de roteiristas e atores em Hollywood teve como um dos motores o uso da inteligência artificial no set. O que pensa disso? Sempre apoiei a greve, movida por preocupações justas e reais. Mas não sou contra a tecnologia. Ao longo da história do cinema, ela foi chacoalhando a indústria. Em meu mundo, porém, a inteligência artificial pode ser minha assistente, mas nunca me substituir.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864