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Laerte Coutinho: “Negacionismo é o fim da picada”

A cartunista de 69 anos conta que ainda enfrenta as sequelas da Covid-19 e explica por que fez seu processo de transição de gênero só na maturidade

Por Tamara Nassif Atualizado em 4 jun 2024, 14h07 - Publicado em 9 abr 2021, 06h00
SÃ E SALVA - Laerte: para ela, não existe “masculino” e “feminino” -
SÃ E SALVA – Laerte: para ela, não existe “masculino” e “feminino” – (Filipe Redondo/.)

Em janeiro, a senhora foi internada na UTI com Covid-19, e desde então a pandemia se agravou. Como foi esse período de tratamento intensivo? Do jeito que o Brasil tem lidado com a pandemia, eu, desde o princípio, soube que eram grandes as chances desse vírus chegar até a minha pessoinha. Fiquei assustada com o diagnóstico, mas me senti ainda pior quando fui para a UTI, pois os médicos queriam olhar a evolução da doença mais de perto. Lá, vi pessoas em situação dramática. E eu pensava: “Como vai ser comigo? Vou ficar curada?”. Depois de três dias, a infecção e os pulmões melhoraram. Foi um período de tensão.

Teve sequelas? A doença deixou um cansaço muito grande, e voltar ao normal tem sido extenuante. Alguma coisa da interação da doença com meu organismo põe condições que precisam ser acompanhadas. Minha geriatra está atenta a isso e continuo medicada.

Apesar dos números alarmantes, ainda há um forte movimento negacionista. O que pensa a respeito? O negacionismo é o fim da picada. E Jair Bolsonaro também é o fim da picada. Ele defende o vírus. O pior é que o negacionismo ocorre não só com a pandemia, mas também com as questões climáticas e com a desigualdade social. Vivemos um império de mentiras. Não temos uma pausa sabática para decidir o que fazer: temos de pensar com o bonde andando e caindo no precipício.

Quando estava na UTI, teve medo de morrer? Tive, claro. Há mais de 340 000 mortos no país. A distribuição dos casos não deixa muito claro quem se salva e quem não se salva. Já houve casos de jovens morrerem, de pessoas mais ricas também, mas existe um perfil da letalidade que pega mais as pessoas mais pobres e negras. É o perfil da desigualdade no Brasil, que casa com qualquer catástrofe que acontece aqui, inclusive uma pandemia.

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A senhora é uma das personalidades trans mais famosas do país, e sua transição aconteceu já na maturidade, aos 60 anos. Por quê? Sempre fui homossexual, mas ficava aterrorizada com essa ideia e bloqueei isso. Eu me escondi de mim mesma por décadas. Mas resolvi me aceitar. A palavra transição não se aplica bem ao meu caso. Eu não sei nem se ela se aplica a algum caso.

Como assim? A ideia de transição é você ter duas posições mais ou menos fixas e delimitadas, e passa de uma para a outra. Para mim, não há “masculino” e “feminino”. Não estou transitando, estou indo, não sei bem para onde. O importante é que sei quem sou.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733

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