Louvre leiloa par de ingressos para experiência exclusiva com a Mona Lisa
Em decisão inédita, museu de Paris dá oportunidade de passar alguns minutos diante da Gioconda sem a insuportável multidão
Houve um tempo, lá nos idos dos anos 1990, um pouco antes talvez, em que era possível chegar perto da Mona Lisa, no Louvre, e apreciá-la com alguma tranquilidade — alguma, ressalve-se. Antes dos smartphones com câmeras fotográficas, antes dos grupos de turistas da China, antes do euro, lá naquela outra era, havia a chance de o salão estar razoavelmente vazio. Não é mais assim — o fabuloso museu francês, que abriga a obra-prima de Leonardo da Vinci desde 1797, recebe mais de 9 milhões de pessoas todos os anos, e pesquisas mostram que 80% querem mesmo é se aproximar do enigmático sorriso florentino. Vale ouro, portanto, aquele passinho à frente. E quanto valeria estar sozinho com a Gioconda, alheio aos hunos e aos bárbaros?
A casa de pregões inglesa Christie’s acaba de determinar que a experiência pode custar entre 10 000 e 30 000 euros (cerca de 62 100 a 186 300 reais). Para arrecadar fundos, o Louvre associou-se à mítica empresa em um leilão que dá a chance única de estar a sós com a Mona Lisa. A experiência oferecerá a oportunidade de o vencedor e um convidado contemplarem a tela sem o vidro protetor à prova de balas. Em condições normais, só é possível vê-la a cerca de 4,5 metros de distância — um problema para muitos, diante da diminuta tela de 77 por 53 centímetros. Será autorizado acompanhar a inspeção anual do quadro, durante a qual os profissionais removem brevemente o retrato da redoma de vidro para avaliar sua condição. Os lances on-line se encerram em 15 de dezembro e os vitoriosos terão dois anos para usufruir do luxo. “A fama da Mona Lisa é resultado de muitas circunstâncias combinadas com o apelo evidente da pintura”, diz o curador e crítico de arte Marcos Rizolli, professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie. Por isso, tê-la ao lado é especialíssimo.
Quem mais próximo chegou do íntimo olho no olho com a moça foi um ladrão, o italiano Vincenzo Peruggia. Em 1911, numa singela segunda-feira, com o Louvre fechado, ele entrou no museu e saiu de lá com a obra debaixo do braço. Ela foi recuperada dois anos depois. Em um outro episódio de solidão, um visitante transtornado jogou ácido e danificou a pintura. E então as autoridades decidiram pô-la atrás de um vidro espesso, distante de todos os mortais. Daí a relevância do martelo a ser batido na Christie’s. Proporcionar exclusividade é tendência. O Museu do Vaticano permite a privilegiados endinheirados acompanhar o abrir dos portões e das galerias e depois desfrutar de um pantagruélico café da manhã. O MET e o MoMA, em Nova York, criaram pacotes semelhantes. Em um mundo tão exposto às redes sociais, nada como estar a sós com as belezas da civilização.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717