“Ipo de si mesma.” Assim, em tom laudatório e com a vaidade potencializada pela beleza e pelos 21,6 milhões de seguidores no Instagram, a italiana Chiara Ferragni, de 33 anos, anunciou um ineditismo: a possível abertura de sua imagem na bolsa de valores por meio de uma “oferta pública inicial”. Muita água há de rolar até que as ações de Chiara subam ou desçam no mercado financeiro da Itália. Mas uma pergunta se impõe: o que há de tão valoroso no trabalho dela que mereça ser negociado? Para ela, seu estilo de vida. Blogueira de moda e influencer (eis como ela registraria sua profissão ao preencher uma ficha de hotel), a moça se tornou uma poderosa marca nas redes sociais exibindo sem pudor roupas de grife, itens de consumo, viagens espetaculares e seu filho, Leone, de 2 anos. Nada que publica sai de graça — por cada post patrocinado, recebe quase 60 000 dólares, o equivalente a 340 000 reais. “Se o passo de Chiara realmente se concretizar, ele abre portas para um novo mercado”, diz Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Marketing Digital da Faap, em São Paulo.
Os influenciadores digitais, de fato, se transformaram em peças valorizadas na estratégia de marketing do mundo da moda — não por acaso, empresas de todo o mundo já perceberam a vitalidade dessa turma e dedicam 20% de suas verbas de marketing às postagens. Essa é a faceta visível, rentável e gloriosa — mas ela esconde sombras. Há fragilidades, é claro. Do ponto de vista de recurso de propaganda, aos olhos do consumidor, há um risco evidente — quem garante a qualidade do que é oferecido? Como são estabelecidas as fronteiras entre aquilo que parece espontâneo e o que é espaço comprado? No mundo da publicidade tradicional, que sofre com o avanço dos influenciadores, há normas claras e agências de controle, como o brasileiro Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Dada a novidade, a trama jurídica ainda precisa ser construída. Sabe-se, contudo, de ao menos um caso de uma influencer condenada por um Juizado Especial Cível de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, por ter indicado uma loja para a compra de um smartphone que nunca foi entregue. Descobriu-se, depois, que a promoção era um golpe aplicado em todo o país. A ré recorreu, mas teve seu pedido negado. Ou seja: os influenciadores podem, sim, ser má influência, se não houver cuidadosa atenção.
Um modo de entender o estrago que pode vir atrelado ao mundo que brotou nas redes sociais, ali onde pululam boas histórias mas também mentiras, é medir a força dos personagens que só expõem a cara em smartphones. Um estudo da MuseFind, plataforma americana de pesquisas, mostrou que 92% dos consumidores confiam mais em um influenciador do que em um anúncio ao modo antigo. “O peso dos influenciadores digitais se tornou muito relevante”, reconhece Sabrina Balles, líder de measurement da Nielsen. Relevante ou exagerado? A paulista Bruna Tavares, de Campinas, em São Paulo, fez fama ao exibir produtos de maquiagem. Com 2,8 milhões de seguidores só no Instagram, ela cobrava até 70 000 reais por acordo publicitário. Parabéns à Bruna. Ela é correta, digna e faz bem seu trabalho. Nem todos, porém, seguem o seu competente e ético exemplo.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711