Sua recente sátira à mensagem do presidente Jair Bolsonaro aos caminhoneiros viralizou. O que pensa da repercussão? De tão grotesco, o Bolsonaro é material farto para humoristas, mas me surpreende que acharam que meu áudio era dele. Fiz questão de publicar no meu próprio perfil e instruir os caminhoneiros ao absurdo de dançar Macarena até o ministro Alexandre de Moraes cair. Ainda assim, alguns não entenderam a piada. O ambiente delirante que Bolsonaro criou permite que essas brincadeiras sejam confundidas com verdades.
Já sofreu represálias por causa de suas paródias? Quando uma crítica é disparada ao Bolsonaro, o exército digital dele rebate. Sempre vai ter quem reclame — o que, aliás, é sinal de que a piada deu certo. Perdi contratos publicitários quando ele tinha bastante força e, com os áudios, disseram que eu deveria ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Hoje, já recebo mais risadas que xingamentos e ameaças de morte.
Nunca teve medo? Para mim, pouco importa: eu continuaria fazendo a mesma coisa. Em maio, fiz uma paródia do secretário Mario Frias e a própria Secretaria Especial de Comunicação Social fez uma publicação contra mim. Quando um perfil oficial do governo reage a uma sátira, significa que a piada pegou em um ponto crucial. O humor desvenda personalidades e desestabiliza políticos, e isso é poderoso.
Há espaço para o humor em clima de crise institucional? Esse é exatamente o tipo de clima que precisa de humor. Silenciar e sucumbir ao medo é o que eles querem. Há até uma demanda para que os comediantes batam em quem bate no Brasil. O humor é essencial agora, e o Brasil precisa dele não só como contraponto à tristeza e ao luto, mas como arma contra quem nos ameaça.
O senhor sempre foi um satirista político afiado, e ultimamente tem composto sambas-enredo para escolas como Gaviões da Fiel e Rosas de Ouro. O que espera do ano que vem, na política e no Carnaval? Espero que cheguemos ao ano que vem. O governo tem tentado a todo custo manter o cercadinho ativo e, até lá, qualquer coisa pode acontecer. Quanto ao Carnaval, o sonho de ver meus sambas-enredo na avenida de novo terá de esperar a segurança sanitária. Minha única expectativa é que seja seguro — para o público, velha guarda e foliões. Quando isso acontecer, vamos lembrar da festa que fizemos ao sair da epidemia de gripe espanhola. O Carnaval de 1919 foi o mais longo e alucinado da história. Merecemos um assim também.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757