Marcelo Adnet prova que há vida após talk-show
Ele é a prova viva de que o formato, em vez de consagrar, pode é engessar talentos cômicos
Fábio Porchat não é o único humorista que se deixou seduzir pela tentação de ter um talk-show, quebrou a cara e, agora, sacode a poeira para dar a volta por cima. Seu colega Marcelo Adnet é a prova viva de que um talk-show, em vez de consagrar, pode é engessar talentos cômicos. Assim como no caso de Porchat, o reencontro de Adnet com o melhor de sua verve se deu por meio do resgate da simplicidade. No lugar do pirotécnico mas apagado Adnight, ele retorna ao que sabe fazer como ninguém: a imitação de políticos.
Seus esquetes no telejornal satírico Fora de Hora, exibido nas noites de terça-feira da Globo, ultrapassaram os limites da TV aberta para se converter em itens muito visualizados e compartilhados na internet. O “impersonator” Adnet se revela um algoz à altura das novas caras do poder no Brasil de Jair Bolsonaro. O próprio presidente, aliás, é o primeiro alvo das farpas do humorista. Num cenário que reproduz o puxadinho em que Bolsonaro acena para os fãs e se estranha com a imprensa em Brasília, o presidente da ficção já se saiu assim ao explicar seus desentendimentos com o Legislativo: “Como é que eu vou ser contra o Congresso? Onde é que meus filhos vão brincar?”.
A precisão com que Adnet corporifica suas vítimas é visível nos esquetes em que autoridades são entrevistadas pelos âncoras de araque do Fora de Hora. Quando vive o governador paulista João Doria, Adnet faz a mímica perfeita de olhares e expressões típicos do tucano. Seu Doria propõe um “rebranding” da “marca” Coronavírus — e o uso de máscaras cirúrgicas customizadas por Donatella Versace e Romero Britto. É no papel de Sergio Moro, no entanto, que Adnet atinge a impiedade máxima. Ele fala, mexe os olhinhos, exibe os lábios cerrados e acaricia os joelhos de modo idêntico ao do ex-juiz. As frases são puro Moro (“Não me compete questionar resultados estabelecidos”) e seguem aquela cadência animada, enfiando aqui e ali uma “conge” e um “quaquá”. Irretocável.
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678