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Mostra em Londres revela mistérios do último quadro do mestre Caravaggio

Considerada o trabalho final do artista, obra revela o rosto sofrido do mestre pouco antes da morte

Por Amanda Capuano Atualizado em 3 jun 2024, 16h37 - Publicado em 27 abr 2024, 08h00
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  • Em maio de 1606, o genial e encrenqueiro Michelangelo Merisi — ou, simplesmente, Caravaggio (1571-1610) — entrou em uma briga violenta com um cafetão chamado Ranuccio Tomassoni. Provocado por uma partida de jogo ou uma disputa amorosa, teorizam estudiosos, o combate acabou com o assassinato de Tomassoni e uma caçada a Caravaggio: como punição, qualquer pessoa nos estados papais poderia matar o pintor barroco e oferecer sua cabeça como prova. Amedrontado, Caravaggio fugiu de Roma e fez um périplo pelo país: nos quatro anos seguintes, esteve em Nápoles, Malta, Sicília e retornou a Nápoles antes de partir para Porto Ercole, na Toscana, onde morreu em julho de 1610. Antes disso, no entanto, produziu obras como a magistral Salomé com a Cabeça de João Batista (1609-1610) e, dois meses antes da viagem final, deu suas derradeiras pinceladas no glorioso O Martírio de Santa Úrsula — estrela da mostra O Último Caravaggio, que acaba de entrar em exibição na National Gallery de Londres.

    Caravaggio – Gilles Lambert

    A representação de Santa Úrsula é a pintura documentada mais próxima da data de sua morte. Inicialmente atribuída a pupilos de estilo caravaggesco, a obra só foi apontada como sendo dele nos anos 1980, depois que cartas preservadas em Nápoles, e datadas de maio de 1610, revelaram que fora encomendada a Caravaggio por Marcantonio Doria (1572-1651), então príncipe de Angri. Mais tarde, a autoria foi reforçada pelo achado de inscrições no verso do quadro: a assinatura póstuma d. Michel Angelo da/Caravaggio 1616 e as iniciais M.A.D., adornadas por uma cruz, escritas após a morte do dono, em 1651, reforçando a encomenda do nobre ao pintor.

    The National Gallery London – Uta Hasekamp

    Sob posse da família original durante séculos, a pintura ficou pendurada despercebida no Palazzo Doria d’Angri até o século XX, e passou para outra coleção particular ao ser adquirida como parte de uma villa antes pertencente ao clã. Publicamente, só foi revelada em 1963, em uma exposição em Nápoles, ainda sem a autoria de Caravaggio. Hoje pertencente ao Banco Intesa Sanpaolo, a pintura fica exposta na Gallerie d’Italia, na Via Toledo, em Nápoles, de onde foi retirada para a mostra inglesa.

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    História da Arte Italiana: 3 Volumes – Giulio Carlo Argan

    Com o jogo de luz e sombras típico do mestre, a pintura captura Santa Úrsula pouco antes de seu martírio. Diz a crença que ela e um grupo de virgens que a seguiam foram capturados e mortos pelos hunos. O rei teria se oferecido para salvar a vida de Úrsula casando-se com ela, mas a moça recusou a oferta e foi morta por uma flecha. Acima da mulher martirizada, surge um provável autorretrato do artista, que costumava se pintar de modo trágico nas obras — aqui, aparece desfigurado e pálido assistindo à cena. “É nosso último vislumbre de um homem desesperado emergindo de um dos momentos mais conturbados de sua vida”, escreve a curadora Francesca Whitlum-Cooper.

    Barroco e rococó – German Bazin

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    A falta de vitalidade não é à toa: meses antes, ao sair de uma taverna, ele foi surpreendido por inimigos e ferido no rosto com golpes tão graves que suas feições se tornaram quase irreconhecíveis. Morreu pouco depois, possivelmente vítima de uma sepse adqui­ri­da através de um ferimento de outra briga, sugerem pesquisas recentes. O epitáfio do gênio é tão trágico quanto sua obra.

    Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890

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