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Mostra mergulha na relação entre a arte e a saúde mental de Van Gogh

Exposição em Paris lança luz sobre os últimos meses da vida do artista

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 10h19 - Publicado em 15 out 2023, 08h00

No dia 20 de maio de 1890, Vincent van Gogh (1853-1890) desembarcou no vilarejo de Auvers-sur-Oise, a 30 quilômetros ao norte de Paris, depois de um ano internado em um hospital psiquiátrico. Com um histórico de delírios, ele se mudou para o local para ficar mais perto do irmão, Theo, e se tratar com o doutor Paul Gachet, médico especializado no que à época era chamado de “melancolia”. Dois meses depois, em julho, o pintor deu fim à própria vida com um tiro no tronco, aos 37 anos. A breve estadia na cidadezinha francesa ficou marcada pela sina trágica, mas também pelo célebre surto criativo de Van Gogh: nos últimos setenta dias de vida, ele produziu 74 quadros e 33 desenhos, incluindo algumas das obras mais famosas, como O Retrato de Dr. Gachet.

Em cartaz desde a semana passada no Museu d’Orsay, em Paris, a exposição Van Gogh em Auvers-sur-Oise: Os Meses Finais é a primeira inteiramente dedicada a esse período conturbado e artisticamente efervescente da vida do holandês. Composta por quarenta pinturas e vinte desenhos vindos majoritariamente dos acervos do D’Orsay e do Museu Van Gogh, em Amsterdã, a exibição se debruça sobre aqueles dias febris, mostrando como sua derradeira fase estética foi moldada pelas paisagens pitorescas de Auvers-­sur-­Oise — e também pelo sofrimento psíquico. Dos quadros pintados no período, cerca de vinte retratam campos da região, mas as plantações raramente são povoadas por camponeses e outras pessoas — sinal, para estudiosos, do desejo de Van Gogh de expressar a solidão que sentia.

A mente do mestre sempre despertou interesse no meio acadêmico e artístico. Em 2020, um estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Medicina de Groningen, na Holanda, atestou que o pintor, embora não diagnosticado em vida, provavelmente sofria de um quadro de bipolaridade e depressão, agravado pela abstinência de álcool. Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram mais de 900 cartas escritas por Van Gogh durante a vida, a maioria delas para o irmão. Os escritos que narram o dia a dia e os sentimentos do pintor também alimentaram uma inteligência artificial que interage com o público ao final da exposição. Questionado sobre o porquê de ter cortado a orelha esquerda, o Van Gogh artificial alega que isso é um equívoco e que apenas decepou parte do lóbulo do órgão. Ele também diz que a motivação para seu suicídio permanece um mistério.

Além da inteligência artificial mórbida, a mostra oferece ao público uma experiência de realidade virtual criada a partir da última paleta de cores usada por Van Gogh. No mundo real, obras como a famosa Igreja de Auvers-sur-Oise e a tela Les Racines, finalizada por ele 36 horas antes da morte, são algumas das peças expostas. Também se pode ver O Retrato de Dr. Gachet, que foi doado ao médico após a morte de Van Gogh. A obra tem outra versão notória, que foi vendida a um industrial japonês em 1990 por 82,5 milhões de dólares. O comprador ameaçava cremar o quadro junto com seu corpo quando morresse, mas isso felizmente não aconteceu. Já o Gachet do D’Orsay foi doado ao Louvre pela família, e acabou no museu vizinho. No retrato, o médico é representado com feição cabisbaixa, descrita por Van Gogh como “a expressão desolada” de seu tempo. Nas suas pinceladas finais, o gênio captou a vida sem filtros.

Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863

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