Coração da Pinacoteca de São Paulo, o Octógono é uma sala com oito paredes de 14 metros de altura, que repetem em seu interior o rústico acabamento de tijolos do prédio, no centro da capital paulista. O espaço, que serve como um hall de entrada para as exposições abrigadas pelo museu, passou por uma transformação radical nas mãos dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, de 46 anos. A instalação Portal recebe os visitantes da mostra OsGemeos: Segredos com uma explosão de cores que recobre absolutamente todo o ambiente, ornado com esculturas variadas. No centro, a mais chamativa prende o público por longos minutos na tentativa de decifrá-la. Trata-se de uma espécie de trailer, com um rosto feminino de um lado e um excesso de quinquilharias do outro. “O Portal é um resumo da nossa história, e um lembrete para o público de que a imaginação existe também dentro dele”, diz Otávio. Gustavo complementa: “É um ambiente espiritual para onde queremos transportar as pessoas”.
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O que pode parecer uma passagem para fora da realidade — um desejo compreensível neste difícil 2020 — se revela, na verdade, uma viagem a um universo paralelo, onde OsGemeos aplicam ao mundo real uma visão bastante particular de suas experiências urbanas e artísticas. Como resultado, desde o dia 15 de outubro, quando os museus reabriram em São Paulo com capacidade reduzida, os recém-saídos da quarentena disputam a tapa na internet ingressos para a mostra. O primeiro lote, que ia até o fim de novembro, se esgotou em três dias. A segunda leva chegou ao site do museu provocando a aglomeração (virtual, calma) de mais de 7 000 pessoas. A procura surpreendente fez a Pinacoteca alterar o modo de vender ingressos: para janeiro e fevereiro, quando a mostra fecha, a reserva será feita diariamente. O museu está funcionando com 40% de sua capacidade, mas se aproximaria dos 60 000 visitantes em um mês se operasse sem restrições.
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Criados e ainda residentes no bairro do Cambuci, região central de São Paulo — onde também viveu Alfredo Volpi, um dos mais relevantes artistas plásticos brasileiros —, os irmãos encontraram uma identidade que extrapola a influência inicial vinda do grafite e do hip-hop. A irreverência da arte de rua evoluiu para criações carregadas de simbolismos e confluências visuais, como os já populares “bonequinhos amarelos”, que carregam consigo um discurso provocador. As estranhas figuras achatadas, que nem sempre são amarelas de fato, transitam entre representações como o jovem grafiteiro encapuzado, o típico “trombadinha” brasileiro ou um ativista palestino — um mural com o boneco em Boston chegou até a ser associado ao terrorismo.
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Não é surpresa que os paulistanos tenham chamado a atenção de ninguém menos do que Banksy. Introduzidos por um amigo em comum, OsGemeos e o artista sem rosto produziram juntos dois quadros que estão na mostra. “Foi algo natural. Estávamos desenhando sem compromisso, e as telas nasceram”, conta Gustavo sobre a parceria, exibida pela primeira vez em um viaduto em Nova York. Eles conhecem Banksy de verdade, mas desconversam sobre sua identidade — segredo valioso da arte atual. Otávio e Gustavo são, à sua maneira, também um mistério. Eles pintam juntos desde os 3 anos e juram se comunicar “por telepatia”. “Somos um artista só”, dizem em coro. Da rua ao museu, a estranha conexão faz sucesso.
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712
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