‘Não sou feminista’, diz repórter que repreendeu assediador na Copa
Julia Guimarães, da TV Globo, foi surpreendida no último domingo, quando um homem tentou beijá-la momentos antes de ela entrar ao vivo de Ecaterimburgo
Julia Guimarães se preparava para um link ao vivo do estádio de Ecaterimburgo, na Rússia, antes do jogo entre Japão e Senegal pela Copa do Mundo, quando um homem tentou beijá-la, no último domingo. A resposta da repórter da TV Globo ao assédio foi rápida: Julia repreendeu, em inglês, o rapaz, afirmando que ele deveria respeitar as mulheres. “Nunca mais faça isso, ok?”, disse, enquanto o homem pedia desculpas. Nas redes sociais, Julia tem recebido elogios pela atitude, mas ela diz que parou de acompanhar a repercussão porque também há — acredite se quiser — comentários negativos de pessoas que dizem que tudo não passa de “mimimi”.
Em entrevista a VEJA, a jornalista fala sobre assédio, feminismo e movimentos como o Time’s Up, que surgiu em Hollywood após a denúncia de várias atrizes que sofreram assédio e abuso no meio. “Acredito que o feminismo seja importante, necessário, mas a minha opinião é que a principal bandeira que temos que levantar com ímpeto é a do respeito”, diz.
Sua reação ao ser assediada no último domingo foi muito rápida. O que pensou naquele momento? Sempre imaginava como iria reagir se acontecesse isso comigo. Jamais pensei que faria isso. Até me surpreendi positivamente pelo que falei e da forma como falei. Foi realmente muito rápido, mas pensei que era a hora da pessoa entender que aquilo não é engraçado, não é certo.
Teve medo de o assediador ter uma reação mais violenta? Em nenhum momento tive medo, até porque eu estava em um local público, onde havia muitas pessoas, inclusive policiais. Na hora em que reagi, o rapaz começou a sair de perto de mim e eu percebi que nada iria acontecer.
Uma situação como essa já havia acontecido com você? Essa foi a segunda vez durante a Copa aqui na Rússia. Mas nunca havia acontecido comigo antes, e tenho que falar que foi por sorte. Nós já vimos quantas pessoas já sofreram com esse tipo de situação.
Repórteres de outros países também foram assediadas enquanto cobriam a Copa da Rússia. Por que isso tem sido tão recorrente? Acredito que seja por causa do clima que ronda um evento como esse. Muitas pessoas passam dos limites e acham que nesse tipo de festa está tudo liberado, que podem fazer o que quiserem. E, nesse caso, eu não incluo somente o assédio, mas também o racismo e a homofobia.
A Rússia é um país mais machista, onde as mulheres são mais assediadas? Acredito que sim, mas não acho que seja tão diferente do que vemos no Brasil, por exemplo. A Rússia tem esse machismo como uma herança de um passado recente, da época soviética. O país está começando a mudar, mas a passos lentos. O machismo é algo cultural por aqui, mas vale ressaltar também que esse tipo de situação acontece em vários lugares do mundo.
Tem acompanhado os comentários e reações do público sobre o caso? No início eu acompanhei, mas depois parei de ler por causa dos comentários negativos. É triste ver como existem pessoas que ainda acham isso um “mimimi”. Ao mesmo tempo, lendo os comentários positivos, foi uma alegria muito grande saber que a minha reação pode inspirar gente que sofre qualquer tipo de assédio.
Algumas pessoas associaram o assédio que você sofreu ao episódio ocorrido com o repórter Ben-Hur Correia durante as Olimpíadas de 2016, quando ele foi abordado na rua por um grupo de mulheres que estavam em uma despedida de solteira. A comparação é correta? Acho essa comparação errada. São as mulheres que, historicamente, sofrem com os abusos e a violência sexual. Como o próprio Ben-Hur Correia disse (em vídeo publicado em suas redes sociais, confira abaixo), ele teria força suficiente para se livrar daquela situação, caso necessário.
Algumas pessoas veem situações como a que você passou como brincadeira. Quando uma brincadeira ou cantada vira assédio? Vira assédio a partir do momento em que a pessoa não autorizou aquilo. Se ela permitiu, ok. Tudo pode fazer parte do momento, da brincadeira. Só que, se não há consentimento das duas partes, acredito que não é possível ver como uma brincadeira ou cantada.
Acha que o esporte é um universo mais machista do que outros? O esporte é, sim, um meio muito machista, isso é histórico. O que me deixa feliz é ver os estádios cada vez mais cheios de mulheres.
Acha que as pessoas vêm entendendo mais sobre questões como assédio e consentimento após movimentos como o #MeToo e o #TimesUp? A partir do momento em que as pessoas começam a expor seus pontos de vista, discutir, mas claro que de forma respeitosa, já estamos dando um excelente passo. Esses movimentos foram e ainda são importantes não só para questões relacionadas ao assédio, mas também pela busca da igualdade entre homens e mulheres.
Você se considera feminista? O feminismo se faz necessário? Eu não me considero feminista. Acredito que o feminismo seja importante, necessário, mas a minha opinião é que a principal bandeira que temos que levantar com ímpeto é a do respeito.