Biógrafo do cantor Roberto Carlos, Paulo César de Araújo lança no próximo dia 6 de dezembro o primeiro volume do livro Roberto Carlos Outra Vez (Ed, Record. 94,90 reais), em que revê momentos da vida do artista a partir de suas canções mais famosas. Nas 925 páginas, o autor analisa cinquenta músicas lançadas entre 1941 e a década de 1970. O segundo volume, previsto para 2022, vai se debruçar sobre outras cinquenta composições lançadas de 1970 até os dias atuais, e também deverá ter a mesma quantidade de páginas.
A nova biografia chega com estofo suficiente para substituir o livro Roberto Carlos Em Detalhes, também de Araújo, lançada em 2006. Na ocasião, a lei brasileira dava poder ao biografado de proibir obras não-autorizadas – e Araújo travou uma batalha com o cantor, que exigia a retirada da obra de circulação. Em um acordo judicial, Araújo aceitou recolher o livro das lojas e se comprometeu a não publicá-lo mais. Por causa desse imbróglio jurídico, tempos depois o Supremo Tribunal Federal decidiu que biografias de personalidades públicas não precisavam de autorização para serem publicadas. O acordo com Roberto, no entanto, já estava feito e não era possível retroceder. De lá para cá, Araújo lançou O Réu e o Rei: Minha História Com Roberto Carlos, em Detalhes, onde ele relatava toda a polêmica jurídica em torno do livro.
O acordo de Araújo com Roberto Carlos não mencionava a possibilidade de ele escrever uma novíssima biografia e publicá-la. É o que ele faz agora. Com novas entrevistas e uma minuciosa pesquisa em documentos, arquivos e acervos do cantor, Araújo narra a vida de artista por meio de um viés mais criativo, analisando o que ele chama de “Canções do Roberto”, surgidas da mistura dos três estilos musicais que mais influenciaram o artista: o brega, a bossa nova e o rock. O texto conta, por exemplo, como surgiram sucessos como Jesus Cristo, Quero Que Tudo Vá Para o Inferno e É Preciso Saber Viver, e examina como elas se relacionam com os períodos da vida do cantor. Confira a seguir algumas delas:
É Preciso Saber Viver (1968)
Composta por Roberto e Erasmo, a canção, usada na trilha sonora do filme O Diamante Cor-de-Rosa (1970), já havia sido gravada alguns anos antes pelo grupo Os Vips. No livro, o autor usa a música como pretexto para relembrar da gravação do filme, que teve locações em Israel e no Japão. Araújo lembra, no entanto, que a canção gravada pelos Vips tinha mais versos daquela imortalizada por Roberto. Segundo ele, ao suprimir alguns versos, Roberto tirou o viés romântico da faixa e a deixou mais filosófica e aberta a múltiplas interpretações. Em 2001, a letra foi mais uma vez alterada pelo cantor, desta vez por conta do seu transtorno obsessivo-compulsivo. Na gravação para o Acústico MTV, Roberto cantou “viver na solidão” em vez de “morrer na solidão” e “se o bem e o bem existem”, em vez de “e se bem e o mal existem”, deixando a letra sem sentido.
Sentado à Beira do Caminho (1969)
Em mais uma faixa composta pela dupla de amigos Roberto e Erasmo, a letra surgiu após o fim da Jovem Guarda e Erasmo ter sido deixado de lado pelos programas de TV, especialmente após o surgimento da Tropicália. Erasmo se sentia à beira do abismo profissional. “Não me apresentava em lugar nenhum, ninguém queria saber de mim. Foi um período difícil”, diz Erasmo. Roberto percebeu que o amigo estava na pior, escreveu um trecho da letra e o procurou para que eles a completassem juntos o restante da canção. O inesquecível refrão que diz: “Preciso acabar logo com isto / Preciso lembrar que eu existo, que eu existo, que eu existo”, foi escrito por Roberto de sopetão, após acordar de uma soneca em seu sofá enquanto Erasmo quebrava a cabeça pensando na música, sentado no tapete da sala de Roberto.
Jesus Cristo (1970)
Uma das faixas mais religiosas de Roberto Carlos surgiu tal como uma epifania. Após um show no Paraná, Roberto foi para o quarto dormir e ao acordar e abrir a sacada viu um lindo pôr do sol. Sob o impacto do crepúsculo, veio a letra: “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Eu estou aqui”. Na rua, era possível ouvir os gritos dos fãs para o cantor. Naquele mesmo dia, Roberto tinha outro show na cidade e ao voltar para o hotel novamente, agora no silêncio da noite, ele desenvolveu o resto da música: “olho pro céu vejo uma nuvem branca que vai passando / olho na terra e vejo uma multidão que vai caminhando”. Na época, Roberto estava viciado no som de James Brown, daí a faixa ter essa pegada suingada, com linhas marcantes de baixo e bateria.
Divã (1972)
Em uma das canções mais pessoais de Roberto, ele canta: “E meu pai sempre de volta / Trazia o suor no rosto / Nenhum dinheiro no bolso / Mas trazia esperanças /Essas recordações me matam”. O autor associa a composição à infância de Roberto Carlos, em Cachoeiro de Itapemirim, no interior do Espírito Santo, no fim dos anos 1940. Ainda criança, Roberto Carlos insistia para que seu pai comprasse um jipe de brinquedo, mas ele se sentiu envergonhado quando foram à loja e descobriram que o objeto era tão caro que o pai não teria dinheiro para pagar.
Lady Laura (1978)
Na letra composta para sua mãe, Laura Moreira Braga, Roberto Carlos diz: “Tenho às vezes vontade de ser / Novamente um menino / E na hora do meu desespero / Gritar por você / Te pedir que me abrace / E me leve de volta pra casa / Que me conte uma história bonita / E me faça dormir”. Araújo diz que Laura foi uma das maiores influências religiosas de Robert relação com a fé. Vem também da mãe o hábito de Roberto de conversar com plantas e animais.