O ano dos faraós: Egito reacende fascínio por sua história em 2022
País celebra datas vitais para a compreensão da cultura ocidental com abertura de museus
Pelas ruas do Cairo, de Alexandria, de Luxor ou de Gizé, corre um divertido questionamento: qual será a revolucionária descoberta guardada para esta temporada? O ano de 2022, afinal, é especial para os egípcios, pois marca duas efemérides redondas, o bicentenário e o centenário de dois atos fundamentais da egiptologia, como é chamado o estudo da fascinante civilização milenar cuja cultura moldou toda a humanidade. Celebram-se os 200 anos do feito do lexicógrafo francês Jean-François Champollion, que decifrou os hieróglifos cravados na Pedra de Roseta, um enorme pedaço de granito encontrado décadas antes nas invasões napoleônicas à região, e os 100 anos da descoberta da tumba do faraó Tutancâmon pelo britânico Howard Carter. O turismo do país ainda se recupera do baque causado pela Covid-19, mas pega carona nos feitos históricos e confia em uma programação especial para voltar a seduzir os amantes de pirâmides, múmias e muito mais.
O fascínio pelo Egito ganhou impulso, em 1822, com o enigma revelado da Roseta. A pedra trazia a mesma mensagem em três escritas distintas e, ao comparar o egípcio antigo com o demótico, sua variante tardia, e o grego antigo, Champollion desvendou o segredo milenar. “Trata-se de um artefato fundante e essencial para todo o Ocidente”, diz Daniel Justi, doutor em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Seshat, o centro de pesquisas de arqueologia do Egito antigo da instituição. Um século depois, as luzes sobre Tutancâmon, que governou o Egito por apenas uma década, até sua morte precoce, aos 19 anos, por volta de 1325 a.C., inauguraram uma nova era. O achado ganhou repercussão mundial, num contexto pós-I Guerra, e abriu as portas do Egito ao mundo. Se a Pedra de Roseta, disputada há séculos por franceses, britânicos e egípcios, deve permanecer no Museu Britânico de Londres, os restos mortais de Tutancâmon deixarão o Vale dos Reis, às margens do Rio Nilo, em Luxor, para ser o item mais precioso do Grande Museu Egípcio, em Gizé, que deve ser inaugurado em 4 novembro, a data exata do centenário da reaparição do faraó menino.
Projetado para ser o maior centro arqueológico do mundo, com tecnologia avançada e até exposições em realidade virtual, ele fará concorrência a outros dois espetaculares espaços, o Museu Egípcio da Praça Tahrir, no Cairo, fundado em 1902, e o Museu Nacional da Civilização Egípcia (MNCE), em Fustat, a primeira capital muçulmana do país, recém-aberto com uma exuberante procissão, o “desfile de ouro” dos restos de dezoito reis e quatro rainhas. Na sala das múmias, que dá ao visitante a sensação de estar no próprio Vale dos Reis, é ensinada a arte da mumificação, o tratamento dado aos faraós mortos, considerados emissários dos deuses. As cidades de Sohag e Sharm el-Sheikh também inauguraram museus para tentar atrair atenção para além do eixo.
Nem só de tesouros faraônicos vive o turismo local. Uma nova cena gastronômica e também expedições para as montanhas, com destaque para a famosa Trilha do Monte Sinai, atraem visitantes de todo o mundo. Outra caminhada imperdível, mas curtinha — de apenas 2,7 quilômetros — é pela Avenida das Esfinges, a estrada que liga os templos de Karnak e Luxor, reaberta há dois meses após anos de trabalho árduo de reconstrução. Com mais de 1 300 esfinges, a monumental avenida começou a ser construída no século IV a.C.
O Egito não está entre os destinos internacionais mais procurados por brasileiros. Em 2021, ficou em 31º lugar nas buscas da Decolar, a maior agência virtual do país, que oferece pacotes com passagens de ida e volta e hospedagem de sete dias no Cairo por 3 700 reais. Para a egiptóloga Cintia Rolland, o país merece ser visitado, em qualquer época. “Há muito mais para ver do que as famosas pirâmides, como o Vale dos Reis e Rainhas, os Templo de Karnak, Dendera e Abidos, a região desértica, o Mar Vermelho”, diz Cintia, doutora em religião egípcia pela EPHE-Sorbonne e coordenadora do curso de história da FMU, que deu entrevista diretamente do Cairo, onde está a trabalho. “Por aqui, passaram, além dos próprios egípcios antigos, os gregos, os romanos, os persas, as tropas de Napoleão”, diz ela. Trata-se, de fato, de um lugar marcante para toda a humanidade.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774