A partir da próxima quinta-feira, 14, os cinemas nacionais vão revelar uma Taís Araujo diferente daquela que ganhou fama nas novelas. No filme Medida Provisória, a heroína dos folhetins dá lugar a uma personagem que simboliza a luta antirracista. Junto do namorado, Antônio (Alfred Enoch), a médica Capitu lidera a resistência a uma lei fictícia que, em um Brasil distópico e futurista (mas nem tanto), pretende despachar os negros para a África. O primeiro longa com direção do ator e marido de Taís, Lázaro Ramos, se baseia em uma peça teatral de mais de dez anos atrás. Ainda assim, contém fagulhas políticas que parecem cirurgicamente calculadas para provocar as hordas bolsonaristas do presente. Coincidência ou não, Medida Provisória precisou esperar cerca de dez meses na fila para ter sua estreia liberada pela Ancine, a agência reguladora do cinema controlada pelo governo federal — e sua aprovação só foi consumada após muita reclamação. Em entrevista a VEJA, Taís falou sobre o caso sem meias-palavras: “Teve censura”.
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Aos 43 anos, a atriz completa assim uma transição de mocinha a militante que ocorreu diante dos olhos do país. No ar nas novelas desde Tocaia Grande (1995), que fez na extinta TV Manchete aos 16, Taís ampliou seu engajamento conforme evoluía na carreira. “Vocês me viram crescer na TV. E como é que eu fiz? Fui estudar. Sou uma artista, quis olhar para meu país”, diz. O casamento com Lázaro, há dezoito anos, lapidou a imagem de mulher negra empoderada. O casal espelhou na TV a ascensão social de imenso contingente de brasileiros à frente da sitcom Mister Brau, exibida pela Globo entre 2015 e 2018.
Taís revela que próximo do fim do programa, no calor da eleição de Jair Bolsonaro ao Planalto, ela e Lázaro receberam ameaça de morte (ela diz que o casal preferiu não buscar a polícia, nem descobriu a autoria da carta que teria sido enviada a veículos da imprensa). Passou a se preocupar com a segurança dos filhos — João Vicente, 10 anos, e Maria Antonia, de 7 — e deu um tempo dos holofotes. Aos poucos, porém, retomou as manifestações contra o racismo, o machismo e em defesa da educação. Unindo carisma e sintonia com pautas atuais, Taís é um ativo valioso para a Globo. Em meio a demissões de estrelas, fechou contrato de quatro anos e será heroína da nova novela das 7, Cara e Coragem. A atriz, que já foi apresentadora da gincana musical PopStar, briga para mais espaço nessa função. Empresária de si própria há dois anos, não se avexa em bater na porta até da família Marinho para se fazer ouvir. “Batalho pelas coisas que quero. A carreira é minha, não dos outros”, diz. É para quem pode.
Entrevista: Taís Araújo
Atriz fala sobre afirmação negra, Bolsonaro e a Globo
Medida Provisória mostra um Brasil do futuro que é um pesadelo para os negros. O país é tão racista quanto o filme mostra? O Brasil é racista e cínico, né? Pois insiste em dizer que não. É curioso, porque durante algum tempo a gente se dizia um país miscigenado e tinha orgulho. Só que na prática essa riqueza é desperdiçada, as pessoas são encaradas de forma muito desigual.
Por que é assim? O Brasil parece um adulto que se recusa a crescer. Porque tem dificuldade de olhar para suas feridas, de se autocriticar. E aí cai nessa — não tem outra palavra — desgraça que o país virou.
No filme, um personagem diz: “Como deixamos chegar a esse ponto?”. É uma indireta sobre Bolsonaro? O filme foi escrito muito antes do Bolsonaro. Não é uma crítica direta, mas acaba sendo: não por acaso, o país que a gente não quer se assemelha ao país em que a gente está vivendo. Mas o filme não é sobre o governo Bolsonaro, porque a gente não trabalha para ele.
Pode explicar melhor? Se você olhar as minhas redes, vai ver que eu nunca falei o nome dele. Porque eu não trabalho para o Bolsonaro: eu trabalho por aquilo em que acredito. Não vou rebatê-lo.
Os artistas vão se engajar na eleição deste ano? É uma questão muito particular. Para mim, não faz sentido ser uma artista e não ser engajada. Eu adoraria que os meus colegas se motivassem, como eu, a achar lindo o movimento do Fernando Henrique Cardoso apertando a mão de um Lula. Mas entendo: tem gente que não se engaja porque tem medo.
Até que ponto a Globo deixa seus artistas se engajarem? Hoje, estamos diante de uma outra Globo, um outro Brasil. A realidade ficou tão ruim que me posicionar é obrigação moral. A Globo também não quer o país que a gente está vivendo, tenho certeza.
Recentemente, atrizes negras denunciaram segregação nas gravações de uma novela das 7, o que levou a Globo a afastar o diretor, Vinícius Coimbra. Houve racismo? Quando as pessoas falam “mas tudo é racismo?”, a gente tem de partir do princípio de que sim. Somos um país que foi forjado pelo racismo e pelo machismo. Sei pouco dessa história, mas não duvido das meninas. O afastamento foi educativo.
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784
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