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O Febeapá do B

O vale-tudo do novo analfabetismo ideológico

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 4 jun 2024, 15h50 - Publicado em 22 fev 2019, 07h00

– Programa Morning Show, da rádio Jovem Pan: Edgard Piccoli anuncia a apresentação do filme Marighella, estreia de Wagner Moura na direção, no Festival de Berlim. O opinionista Caio Coppolla lança mão de um colar de adjetivos num retrato involuntário do analfabetismo ideológico chic: obscurantismo com sorriso polido.

– Após o golpe militar de 1964, Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), estimulado pelo empenho de agentes da repressão em prender o antigo subversivo Sófocles, concebeu uma Enciclopédia das estultices do presente: Febeapá — Festival de Besteira que Assola o País.

– No programa Pânico, da rádio Jovem Pan, Maristela Basso mostrou um sentido histórico único. Rebelde às amarras da linearidade, sintetizou os óbices na formação de Simón Bolívar em uma frase inesquecível: “Era o auge também das leituras de Marx, de Lenin”. Bolívar nasceu em 1783; Marx, em 1818; Lenin, em 1870. Nessa matemática revolucionária, 1 + 1 = – 2. No fundo, no meio do caminho tinha uma data porque ela pretendia desqualificar o governo da Venezuela.

– Caio Coppolla é generoso com o ouvinte e oferece pílulas de sabedoria filológica. Eis seu juízo do filme que não viu: “É por isso que essa obra do Wagner Moura (…) é iconólatra (…). Latros é… é justamente isso… É você adorar o quê? Adorar imagens, adorar símbolos”.

– Alopradas teorias conspiratórias são a poesia do analfabetismo ideológico; fake news verossímeis, sua prosa. E o fenômeno é daltônico: veste vermelho, verde-amarelo — também azul e rosa.

– Marilena Chaui acredita que o ex-juiz “Sergio Moro foi treinado (…) pelo FBI para realizar essa Operação”. Contudo, em 2015, em nota oficial, a Petrobras reconheceu a perda de pelo menos 6,2 bilhões de reais devido à corrupção. Graça Foster também foi treinada nos Estados Unidos? No fundo, a filósofa queria mesmo era desqualificar a Operação Lava-Jato.

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– Iconolatria é uma palavra derivada do grego, e não do latim: junção do substantivo eikon (imagem) com o sufixo latria (adoração). Latros, palavra imaginada por Caio Coppolla, não existe. Nem como sufixo, muito menos como substantivo. O vocábulo mais próximo em latim é latro — ladrão. Ao inventar a falsa etimologia, no fundo, Coppolla desqualificava o filme que ainda não viu. No Brasil de hoje, Chico Xavier enfrentaria uma concorrência desleal.

– Autômato do narcisismo, e no afã de desqualificar o que não seja espelho, o analfabeto ideológico reduz o mundo a espectros: o marxismo cultural, o globalismo, a horda de turistas zoófilos — e tantos outros atos falhos. Por uma questão de misericórdia, não mencionarei o nome da pessoa cuja fertilíssima imaginação desconcertaria até mesmo Sigmund, o Freud.

– Citação nunca é fraude, mas a forma mais sincera de admiração. Vivemos em pleno “Febeapá do B”, dissidência à extrema direita do talento de Sérgio Porto. Em janeiro do corrente, iniciou-­se a era do “Festival de Besteira que Assola o País do Bolsonaro”.

– (Ou: dos Bolsonaros?)

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Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623

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