Uma adolescente de origem pobre se dedica ao sonho de cantar e, quem sabe, ganhar uma bolsa em uma universidade para estudar música. Os empecilhos, porém, são muitos – entre eles a própria família da moça. A trajetória melodramática aparentemente batida ganha novas e belíssimas cores em No Ritmo do Coração, indicado em três categorias no Oscar 2022, de melhor filme, roteiro adaptado e ator coadjuvante, para Troy Kotsur. Estrelado pela adorável Emilia Jones, que completou recentemente 20 anos de idade, a produção diverte e encanta com o rito de passagem da protagonista Ruby Rossi para a vida adulta – com direito a elementos típicos da fase, como a ansiedade pelo futuro e o primeiro amor. Ruby, porém, não é uma menina tão comum. Seus pais e irmão mais velho são surdos, enquanto ela é a única que escuta e fala na casa. A relação entre eles faz, inicialmente, com que Ruby cresça como se fosse surda – ela mal fala quando entra para a escola. Mais tarde, a dinâmica se inverte, e a família, que trabalha com pesca, se torna dependente da menina, que assume o papel de intermediária entre eles e o mundo. Logo, Ruby tem dificuldades de ver um mundo longe de casa – ainda mais para seguir uma vocação que sua família não consegue apreciar.
O longa, adaptação de um filme francês – também adorável – chamado A Família Bélier, estreou aclamado no Festival de Sundance no ano passado, arrebanhando quatro prêmios, entre eles o do júri. Era de se esperar que No Ritmo do Coração – Coda no original, sigla em inglês para crianças de adultos surdos – conquistaria espaço em grandes premiações. O longa, com pitadas de drama e comédia, porém, tem um pezinho no que os brasileiros chamariam de “filme de Sessão da Tarde”. Não à toa, ele conquistou a fama de azarão do Oscar, ao concorrer com superproduções, como Duna, ou o drama de faroeste Ataque dos Cães, até agora, favorito ao prêmio. Mas o jogo virou.
Aos poucos, No Ritmo do Coração vem ganhando espaço e popularidade na temporada de premiações. Foi eleito melhor filme pelo prêmio promovido pela crítica especializada de Hollywood e levou o troféu mais importante do SAG Awards, de melhor elenco. A cerimônia, que serve como termômetro para as categorias de atuação no Oscar, ainda elegeu Troy Kotsur o melhor ator coadjuvante do ano. Aos 53 anos, Kotsur, que interpreta Frank, pai de Ruby na trama, se tornou o primeiro ator surdo a ganhar um prêmio no SAG e já fez história ao ser o primeiro homem com deficiência auditiva a ser indicado ao Oscar — Marlee Matlin, que também está no filme, na pele da mãe de Ruby, foi a primeira pessoa surda a ser indicada e a ganhar um Oscar, em 1987, como melhor atriz, por Filhos do Silêncio. Em uma das cenas mais marcantes de No Ritmo do Coração, Frank, tentando entender a paixão da filha por música, pede que ela cante o mais alto possível, enquanto ele coloca com carinho as duas mãos no pescoço da jovem, para sentir a vibração de suas cordas vocais.
Até a vitória de Kotsur no SAG, Kodi Smit-McPhee, de Ataque dos Cães, era o favorito da categoria de ator coadjuvante. Os dois voltarão a se enfrentar no Oscar e o favoritismo já não é tão claro. “Eu sinto que carregava muitas feridas e que elas se curaram agora”, disse Kotsur sobre finalmente ter seu trabalho como ator reconhecido. No Ritmo do Coração está disponível no Prime Video, da Amazon, e para aluguel em plataformas como a Apple. O Oscar 2022 acontece no dia 27 de março.