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O fotógrafo Anton Corbjin transformou seus retratos de roqueiros em arte

O holandês lança um novo e sofisticado livro sobre o Depeche Mode

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

Nos idos de 1981, Anton Corbijn era um jovem fotógrafo saído de uma cidadezinha holandesa rumo a Londres para trabalhar na prestigiosa revista de música New Musical Express. Escalado para uma reportagem com o Depeche Mode, então só mais um entre tantos grupos de tecnopop que pululavam na Inglaterra, ele não denotou empolgação ao registrar o quarteto para o semanário. “Não gostava do som deles”, disse Corbijn a VEJA, em entrevista por videoconferência. À época, embora o fotógrafo tenha deixado o desprezo patente, as jovens estrelas do Depeche Mode não desgrudaram do seu pé. Convidaram-no insistentemente para outros trabalhos. “E eu sempre recusei”, diz.

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Desde então, o Depeche Mode cresceu e apareceu — nos anos 90, era virtualmente impossível fugir de hits como Personal Jesus. Mas Anton Corbijn ganhou outra espécie de reconhecimento, mais seminal e duradouro: ele elevou a fotografia de rock ao estado de arte. Produziu fotos hoje clássicas de Bob Dylan e dos Rolling Stones — juntos ou em separado, como num impagável ensaio dos anos 90 em que Mick Jagger surge vestido como uma senhora. Testemunha ocular da história roqueira, ele clicou o endiabrado Johnny Rotten no auge dos Sex Pistols, além de Bruce Springsteen, David Bowie, Miles Davis, Nick Cave, Nirvana e muitos outros.

DO TECNOPOP AO GRUNGE: À esq., uma das fotografias favoritas de Corbijn da banda Depeche Mode, no início da carreira; à dir., Kurt Cobain, vocalista do Nirvana: ao mostrar os artistas como seres imperfeitos, Corbijn os imortalizou -
DO TECNOPOP AO GRUNGE: À esq., uma das fotografias favoritas de Corbijn da banda Depeche Mode, no início da carreira; à dir., Kurt Cobain, vocalista do Nirvana: ao mostrar os artistas como seres imperfeitos, Corbijn os imortalizou – (Anton Corbijn; Sipa via/Images/.)

Antes de Corbijn, esses registros eram peças de promoção prosaicas. A partir de seus trabalhos, quase sempre em preto e branco e mostrando os artistas com rostos expressivos, o gênero virou coisa de gente grande — e ganhou até as paredes dos museus. “As cores são o reflexo da realidade, mas o preto e branco é a própria tradução da realidade”, teoriza. Mal comparando, Corbijn fez pela fotografia de rock o mesmo que seu célebre conterrâneo Rembrandt van Rijn (1606-1669) realizou pela arte do retrato na pintura.

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Parte inevitável de seu ofício é mergulhar na intimidade dos retratados — o que implica, nesse caso, em cair na estrada do rock’n’roll. Foi assim que Corbijn desenvolveu uma relação longa e proveitosa com inúmeros personagens convertidos em amigos — como, olha só que ironia, ocorreu com os hoje tiozões do Depeche Mode. Corbijn lançou no ano passado, pela editora alemã Taschen, uma edição de luxo para colecionadores com mais de 500 fotos que fez do grupo. O livro se esgotou em apenas uma semana, a despeito do preço salgado de 500 dólares (no Brasil, custaria escandalosos 13 000 reais, mas a edição limitada se esgotou antes de chegar por aqui). Uma nova versão para o público em geral, mais “baratinha”, foi lançada nesta semana no exterior e chegará ao país em 5 de junho, custando a bagatela de 975 reais. Em 2020, o vocalista do Depeche, Dave Gahan, em seu discurso no Hall da Fama do Rock’n’roll, agradeceu a Corbijn “por nos fazer parecer descolados”. O ex-desafeto agora proclama: “Exceto pelos royalties, eu me sinto como se fosse parte da banda”.

PRETO E BRANCO - A antológica imagem do U2 na capa de 'Joshua Tree' : o fotógrafo deu nome ao álbum dos irlandeses -
PRETO E BRANCO - A antológica imagem do U2 na capa de ‘Joshua Tree’ : o fotógrafo deu nome ao álbum dos irlandeses – (Anton Corbijn/.)

Com o tempo, Corbijn — atualmente aos 66 anos — diversificou suas habilidades. Ele dirigiu videoclipes que definiram o formato, como o de um grande hit do Depeche nos anos 90, Enjoy the Silence. E também fez capas de disco memoráveis, ainda nos tempos do velho vinil. Foi assim que estabeleceu relação simbiótica com outra grande banda, o U2. Em meados dos anos 80, Corbijn levou os irlandeses ao espetacular Parque Nacional Joshua Tree, na Califórnia, para o ensaio da capa de um novo disco então ainda sem título, o futuro The Joshua Tree. “Passei três dias no deserto com o U2. Hoje, nenhuma banda tem todo esse tempo para fazer fotos. O álbum teria outro nome e, graças à minha ideia, a banda decidiu batizá-lo com o nome da árvore”, relembra.

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Para além da qualidade, é impressionante como Corbijn tem sido o homem certo no lugar certo na trajetória da música: do heavy metal ao grunge, passando pelo jazz fusion, fotografou expoentes de praticamente todas as vertentes dignas de nota nas últimas cinco décadas. Ele guarda um carinho especial pela banda pós-punk britânica Joy Division. Anos após fazer uma clássica foto do quarteto de Manchester descendo as escadarias do metrô de Londres, ele dirigiria Controle: a História de Ian Curtis (2007), sobre o vocalista do grupo, que se suicidou em 1980. Também esteve próximo do Nirvana, pouco antes do final igualmente trágico do cantor Kurt Cobain, em 1994: foi Corbijn quem concebeu o desconcertante clipe de Heart-Shaped Box, uma das últi­mas músicas do grupo de Seattle. “Eu achei que o vídeo ficou tão bom que fiquei com medo de não acertar no próximo. Recusei quando eles me convidaram para fazer outro clipe”, revela.

ESTADO DE ARTE - Retratos de Captain Beefheart e Bowie: o rock no museu -
ESTADO DE ARTE - Retratos de Captain Beefheart e Bowie: o rock no museu – (Daniel Reinhardt/picture alliance/Getty Images)

Corbijn desconversa sobre seus segredos, mas entrega uma sacada essencial: não retratar o artista como ser todo-poderoso. “As imperfeições os tornam mais humanos”, diz. Num retrato de Miles Davis em 1986, o trompetista surge com o rosto enrugado e as pupilas dilatadas: “Se você olhar a foto, verá meu reflexo nas pupilas de Miles. De certa forma, fiquei ligado a esse registro para sempre”. Suas imagens também ficarão para sempre nos olhos dos fãs de rock.

Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

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