O mundo é deles: pesquisa inédita revela os hábitos e convicções da geração Z
Um levantamento feito pela MindMiners a pedido de VEJA mapeia o que pensam os jovens nascidos entre 1997 e 2012, grupo que já mudou as feições do planeta
Observar a roda da história sob o prisma das gerações implica fatiar a linha do tempo em intervalos de quinze anos. A lógica embutida aí é que, nesta relativamente breve janela da adolescência à idade adulta, a influência do mundo ao redor se faz mais pronunciada, marcando os indivíduos de forma parecida. “Grupos etários semelhantes vivenciam os fenômenos numa mesma época, o que se desdobra em uma similaridade de pontos de vista e comportamentos”, explica a especialista americana Corey Seemiller, da Wright State University, autora de livros sobre o tema. Eis o que se percebe na animada turma Z, nascida entre 1997 e 2012 e que, justamente agora, começa a tomar para si as rédeas do planeta. Esqueça os estereótipos de jovens descompromissados, encerrados em seus quartos, com a cara enfiada nas telas enquanto a vida se desenrola do lado de fora. Isso tudo pode acontecer, sim, em fase tão delicada da existência. Mas o que realmente distingue este pelotão de mente bem aberta é um notável gás para desencadear em tempo recorde profundas transformações nos hábitos de consumo, no ambiente corporativo e na complexa dinâmica das relações humanas.
Muito já se estudou este grupo que, logo ali, em 2030, representará um de cada quatro habitantes da Terra. Só que ele não para de surpreender os que vieram antes na pirâmide demográfica — dos baby boomers aos representantes X e millennials —, como mostra uma inédita pesquisa realizada a pedido de VEJA pela MindMiners, empresa especializada em sondagens na internet. Ao mergulhar no universo de 1 000 jovens entre 18 e 28 anos emergiram traços já conhecidos, como a dificuldade de firmar elos tête-à-tête, de tão habituados que estão ao universo virtual, a crescente preocupação ambiental e um foco na própria saúde, que supera ambições na carreira (veja os números ao longo da reportagem). O que mais chama atenção, porém, é um paradoxo que ajuda a dar contornos menos esperados à ala Z da população, trazido à luz pelo levantamento: ela é inclusiva, afeita à diversidade como nenhuma outra, e, em paralelo, um tantinho conservadora, às vezes careta, ao tocar a própria vida.
A abertura ao que é novo ou diferente se evidencia nos mais distintos departamentos. “Identificamos valores como tolerância, diversidade e acolhimento, posturas que reforçam um forte sentido de comunidade e inclusão”, afirma Danielle Almeida, à frente do estudo. Mais de dois terços apoiam e respeitam quem tem orientação sexual que não seja a sua e 17% não veem qualquer obstáculo em assumir-se gay ou bissexual. Quando instados a discorrer sobre si mesmos, no entanto, 61% admitem estar atrás de um enlace sério e duradouro e quase a metade elenca entre suas prioridades na rotina a dois “a confiança e a lealdade”, tal qual seus pais e avós. “Já estive aberta a experiências menos tradicionais, mas acabei me mantendo no perfil conservador. Sou hétero, monogâmica e não uso drogas”, diz a fisioterapeuta Juliana Almeida, 26 anos, que não é voz solitária: 61% de seus colegas de geração nunca experimentaram substâncias ilícitas, nem pretendem, e 55% não põem uma gota de álcool na boca.
Ao derramar o olhar sobre as contradições entre discurso e ação que a pesquisa esmiúça, especialistas enxergam na onipresença das redes uma parte da explicação, já que elas mantêm essa juventude fincada em demasia no plano teórico — e dá-lhe infinitos chats madrugadas adentro. “Eles discutem muito ali as questões de gênero, mas acaba lhes faltando o treino da convivência verdadeira”, avalia a psicóloga Ana Laura Schliemann, da PUC-SP. O distanciamento do mundo envolto em paredes de concreto, o das interações presenciais, os leva também a dar menos relevância à atividade sexual, um padrão atípico desta faixa etária em outras eras — 48% dos hoje ouvidos não conferem importância ao sexo ou lhe são indiferentes. “A atividade a dois migra para segundo plano porque o sexo passa a ser algo facilmente resolvido on-line”, diz a sexóloga Carmita Abdo, do Programa de Estudos em Sexualidade da USP.
De cabeça flexível, a geração Z se atém menos ao roteiro predeterminado por tantas que vieram antes dela, atrasando em tudo a entrada no universo adulto, com consequências em variados terrenos. “Ninguém acha que tem obrigações rígidas: casar, ter filhos, encontrar um trabalho duradouro”, afirma a psicóloga Ilana Pinsky, coautora do livro Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis, que pondera: “A liberdade de fazer escolhas tem seu valor, mas pode ser também paralisante”. Um dos setores em que as dúvidas existenciais se revelam mais presentes é o profissional. A mão de obra Z é pouco afeita à hierarquia e, não raro, mostra baixo nível de comprometimento.
Preservar a saúde mental, motivo de constantes queixas, se sobrepõe à batalha pela ascensão: praticamente metade dos entrevistados considera o trabalho uma forma de garantir estabilidade e segurança e mais de um terço não suporta “ambientes tóxicos” e “más lideranças” — visão, aliás, que a toda hora colide com a de gerações moldadas em outras culturas. “Não aceito certas coisas que eram consideradas normais, como jornadas exaustivas e chefes que não respeitam os subordinados”, reconhece a assistente administrativa Alexandra Azevedo, 21, que abandonou uma boa vaga para estudar para concurso público, com o apoio da família. “Em meio a tantas particularidades, há um aspecto positivo nesse grupo: uma vontade de criar, o que precisa ser potencializado”, ressalta Diogo Jamra, do Instituto Itaú Educação e Trabalho.
Verdade que este naco da população apresenta, de acordo com as estatísticas, menos chances de subir na vida, dada a paisagem global tomada por crises e chacoalhadas na política. Quem já encara o desafio de pagar boletos no fim do mês, porém, vem driblando as probabilidades e se saindo incrivelmente bem. Um estudo do Bank of America aponta que esse segmento etário irá protagonizar uma impressionante expansão da renda, que chegará mundialmente a 74 trilhões de dólares em 2040. Se a previsão se confirmar, a turma Z deve se tornar a mais rica de todos os tempos, beneficiando-se principalmente das melhorias tecnológicas e dos ganhos de produtividade. “Até sinto falta do contato humano, mas faço tudo por aplicativo”, relata Maria Clara Aguiar, 23 anos, estudante de relações internacionais, que mora sozinha e declara não ter tempo a perder.
Está aí uma geração que já veio ao mundo mergulhada em um caldo demográfico que lhe deposita altas responsabilidades sobre as costas. No Brasil, assim como já ocorreu em nações mais ricas, o chamado bônus demográfico — situação em que o percentual da população em idade ativa é superior à soma de crianças e aposentados fora do mercado — está caminhando para o fim. “Resta a essa juventude, portanto, produzir mais com menos gente, o que exige conceber novas tecnologias, e não apenas saber usá-las”, enfatiza o demógrafo José Eustáquio Alves. Os integrantes da ala Z do planeta também precisam conviver com um tabuleiro geopolítico intrincado e um cenário ambiental que provoca temores sobre o horizonte não tão distante assim. Não à toa, 44% se declaram pessimistas, mas, ao mesmo tempo, seguem embalados por propósitos que podem sacudir o globo e fazer toda a diferença. A hora é deles, aqui, agora e no futuro breve.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964








