O novo (e belo) livro que mostra a força artística do Carnaval carioca
Obra resgata a história dos principais desfiles das escolas de samba e seus carnavalescos, com ensaios afiados sobre a maior manifestação cultural do país

O arquiteto carioca Miguel Pinto Guimarães tinha apenas 8 anos quando assistiu pela primeira vez ao desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, na década de 1980. Desde então, ele só deixou de comparecer ao chamado “maior espetáculo da Terra” em três ocasiões — em 1992, por uma “falta inexplicável”; em 2021, quando o evento foi cancelado por causa da pandemia; e em 2002, pela curiosa coincidência de seu filho nascer na data da folia. Mais que apaixonado, Guimarães é um estudioso imbuído de missão nobre: demonstrar a verdadeira dimensão do Carnaval do Rio enquanto manifestação artística da nação. Ao lado da curadora Luisa Duarte, ele é organizador de um livro que dá contribuição valiosa nesse sentido. Pra Tudo Se Acabar na Quarta-Feira — Grandes Criadores do Carnaval (Capivara, 386 páginas, 190 reais), que será lançado no próximo dia 19, é uma obra robusta, com belíssimas fotografias e perfis de dezesseis carnavalescos, como Fernando Pinto, Paulo Barros, Joãosinho Trinta e outros.

A efemeridade da festa e a escassez de estudos capazes de fazer jus à grandiosidade dos desfiles são questões centrais para os autores. Por muito tempo, afinal, Guimarães se intrigou com o fato de espetáculos com imensas ambições e inovações estéticas serem tão pouco analisados como forma de arte e merecerem míseros registros arrojados o suficiente para eternizar a beleza que o público testemunha na avenida. “É uma arte feita por um único artista, executada por centenas de artesãos, com 2 quilômetros de extensão e que só dura setenta minutos”, pondera ele.

Nem mesmo as gravações da transmissão na TV ou ensaios fotográficos conseguiram, muitas vezes, documentar a arte da avenida em toda a sua urgência e esplendor. Além de assinar os textos de abertura e encerramento do livro, Guimarães toca nesse aspecto em particular num perfil do carnavalesco Fernando Pinto, vice-campeão com a Mocidade em 1987. “O desfile Tupinicópolis me marcou muito e foi uma aula de Brasil. Mas revi as fotografias e fiquei frustrado. Nada dá conta de mostrar o Carnaval”, lamenta, destacando a importância da preservação histórica dessa arte. A cuidadosa curadoria de Luisa Duarte ajuda a resgatar, tendo como fonte principal a cobertura da imprensa, imagens que preenchem essa lacuna.
O livro dá o devido realce, por fim, às ousadias que fizeram história na Sapucaí. Um dos capítulos mais impactantes é sobre a Beija-Flor, com o desfile de 1989 de Joãosinho Trinta, Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia, que teve até uma alegoria censurada, o Cristo Mendigo — e hoje é um clássico. O Carnaval é uma arte e, como tal, seu impacto vai muito além da Quarta-feira de Cinzas.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930