O que a vitória de ‘Corra!’ no Spirit significa para o Oscar?
Filme de Jordan Peele pode repetir o feito de ‘Moonlight’ e ‘Spotlight’ em anos anteriores

O prêmio Independent Spirit, o Oscar dos independentes, não deveria ser um termômetro muito preciso do Oscar em si, já que seus membros não necessariamente são os mesmos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e só concorrem produções de menos de US$ 20 milhões. Mas foi, várias vezes. No ano passado, por exemplo, quando o Oscar parecia destinado a La La Land – Cantando Estações, de Damien Chazelle, o Spirit cravou: Moonlight – Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins, que levou seis troféus. E no dia seguinte, depois da confusão dos envelopes, estava lá o resultado de melhor filme: Moonlight. Em 2016, a dúvida era entre Spotlight – Segredos Revelados, de Tom McCarthy, e O Regresso, de Alejandro González Iñarritu. Só Spotlight concorreu ao Spirit, venceu e no dia seguinte repetiu o feito. O mesmo aconteceu em 2015 com Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), também de Iñarritu, e em 2014 com 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen.
O que então quer dizer a vitória de Corra!, que levou filme e direção no Spirit neste sábado? Pode bem significar que a produção ganhou força e pode abocanhar o Oscar de filme neste domingo, que, em tese, está entre Três Anúncios para um Crime, de Martin McDonagh, e A Forma da Água, de Guillermo del Toro – ambos eram aptos a concorrer ao Spirit de melhor filme, mas não foram indicados pelo comitê responsável. “Este prêmio significa tanto para nós. Mas hoje é sábado. Amanhã é outro dia”, disse Peele na entrevista dos premiados, após a cerimônia em Santa Mônica. Sua estreia em longas-metragens, um terror sobre o racismo, esteve nas listas de melhores do ano de críticos do mundo inteiro. Num ano de candidatos fortes, em que o principal Oscar ainda parece uma disputa bem aberta, com problemas éticos apontados no trabalho de McDonagh, acusado de tratar levianamente o racismo, e muita gente achando o filme de Del Toro pouco original, pode ser que sobre para um campeão de bilheteria (custou US$ 4,5 milhões, rendeu US$ 255 milhões) que fala de assunto sério sob o disfarce de filme de gênero. “Acho que todas essas histórias e vozes que ouvimos ao longo do último ano têm um impacto. Expressão e conversa são as armas contra a violência e a intolerância. Nós lidamos com o racismo, mas com objetivo de entreter também”, disse Peele.
A maior parte das outras categorias apenas reforçou os favoritos: Frances McDormand (Três Anúncios para um Crime) como melhor atriz, Sam Rockwell (Três Anúncios para um Crime) como melhor ator coadjuvante, e Allison Janney (Eu, Tonya) como melhor atriz coadjuvante. “Foi difícil achar como ser tão malvada com alguém e fazer maldade achando que eu estava fazendo a coisa certa”, disse Janney, que faz a carrasca mãe da patinadora Tonya Harding. “E para ser honesta me inspirei nas vozes que a gente ouve na nossa cabeça. Nós podemos ser bem horríveis com nós mesmos.” Timothée Chalamet (Me Chame pelo Seu Nome) levou o Spirit, mas dificilmente repete o feito no Oscar, que praticamente tem o nome de Gary Oldman (O Destino de uma Nação) gravado.
A vitória de Greta Gerwig pelo roteiro de Lady Bird – A Hora de Voar foi uma surpresa, já que no Spirit concorriam dois favoritos ao Oscar de roteiro original, Corra! e Três Anúncios para um Crime. É possível que, ao votar, os membros da Academia tenham decidido distribuir os prêmios, um pouco como os eleitores do Spirit fizeram, dando no máximo dois troféus para um mesmo filme. Como Três Anúncios deve levar dois Oscar (atriz e ator coadjuvante), pode sobrar para Lady Bird, sim.
Outras duas obras reafirmaram seu favoritismo na competição do domingo ao ganhar o Spirit. Visages, Villages, de Agnès Varda – que, com 89 anos, é a mais velha concorrente da história – e JR, deve repetir no Oscar a vitória como melhor documentário com seu road movie pela França. “Não estou nervosa”, disse ela sobre a cerimônia do domingo. “Ganhamos este, então não viemos de tão longe para nada!” Seria uma chance de premiar uma mulher que está em atividade desde os anos 1950. Na categoria filme internacional do Spirit (produção em língua estrangeira no Oscar), o franco favorito é o chileno Uma Mulher Fantástica, de Sebastian Lelio, sobre uma mulher trans que sofre o preconceito e a hostilidade da família do namorado quando ele morre. Daniela Vega, a atriz trans que faz o papel principal, é uma das apresentadoras do Oscar. “Um ano atrás, o filme foi apresentado em Berlim e achei que ia ser crucificado”, afirmou Lelio. “Não foi o caso. O filme encontrou muitos defensores. O que me surpreende mais é que está sendo compreendido. E que nossa tentativa de provocar uma reação emotiva funcionou, fazendo com que a mensagem social e política fique mais eficiente.”