O que esperar da nova (e fabulosa) exposição do mestre Monet no Masp
Mostra celebra a obra do mais pop e monumental dos pintores impressionistas e ilumina sua relação pioneira com a ecologia

Ao adquirir sua famosa propriedade em Giverny, no começo da década de 1890, o francês Claude Monet (1840-1926) promoveu uma pequena revolução. Naquele lugar aprazível não muito distante da agitada Paris, o pintor impressionista preencheu seus jardins com espécies exóticas de países como China e Japão, de modo que tivesse flores das mais variadas cores o ano inteiro. O lago, com sua indefectível ponte em estilo nipônico, foi a jogada mais ousada de Monet. Mas o espelho aquático em que ele cultivava as estrelas de suas telas — as ninfeias — só se concretizou graças a certa malandragem do artista. Valendo-se de seu prestígio, ele conseguiu desviar um braço do Epte, rio que corta a região, para abastecer o lago. O resultado, como sabe qualquer fã da pintura e do paisagismo, é deslumbrante. Na época, contudo, a mudança do curso do rio em nome da arte causou revolta na comunidade local. Ao reverenciar a natureza, mas também se julgar senhor dela, o mestre traduziu uma contradição que sempre tensionou a relação humana com o meio ambiente. O dilema percorre a fabulosa exposição A Ecologia de Monet, que leva muita cor e beleza ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp, a partir da sexta-feira 16.
Examinar um artista do século XIX como Monet sob um prisma ambientalista, num momento da história em que o conceito evoca ativismo e emergência climática, soa à primeira vista como anacronismo. Mas a mostra, ao contrário, acena justamente com uma saudável reflexão sobre o ontem e o hoje na visão da humanidade sobre a questão, ao colocar em perspectiva a relação de Monet com a ecologia — conceito que começou a florescer nas mesmas décadas em que o artista produziu suas obras-primas em Giverny. “A noção de preservação, como entendemos atualmente, não existia para Monet. O que ele faz em sua obra é um grande elogio da natureza”, diz Fernando Oliva, curador da mostra junto do diretor artístico Adriano Pedrosa.
![1D-(2)-Claude-Monet,-A-canoa-sobre-o-Epte-[The-Canoe-on-the-Epte],-c.-1890.-Acervo-[Collection]-MASP.jpg VELHO DO RIO - Monet em seu jardim na maturidade (à dir.) e a tela do passeio de barco do Masp: amor e desejo de controlar o meio ambiente](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/05/1D-2-Claude-Monet-A-canoa-sobre-o-Epte-The-Canoe-on-the-Epte-c.-1890.-Acervo-Collection-MASP.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Essa celebração, claro, é pop: as paisagens e ninfeias de Monet costumam atrair multidões, como se verificou no mesmo Masp em 1997, numa exposição memorável do pintor. Quase três décadas depois, Monet retorna ao prédio brutalista de Lina Bo Bardi como um projeto grandioso. Sete anos foram consumidos pela curadoria do museu para viabilizar a exibição de um conjunto de 32 telas. Duas delas são clássicos pertencentes ao museu que sempre merecem ser revisitados, A Canoa sobre o Epte (1890) e A Ponte Japonesa sobre a Lagoa das Ninfeias em Giverny (1920-24). Há ainda mais dois itens oriundos do próprio Brasil, um quadro da Coleção Airton Queiroz, do Ceará, e outro de um colecionador particular (e anônimo) de São Paulo. As demais 28 pinturas vêm de instituições renomadas no exterior, do Museu d’Orsay de Paris à National Gallery de Washington, passando por acervos do Canadá e da Hungria.
Além do ineditismo da maior parte desse acervo no Brasil, a mostra oferece um recorte original: é a primeira vez que a obra de Monet será revista numa retrospectiva desse porte totalmente focada na temática ambiental. O Masp elegeu 2025 como seu ano dedicado à ecologia e vai inaugurar ao mesmo tempo outra exposição de fôlego que contrasta e dialoga com Monet: o subsolo do museu será ocupado pelas esculturas feitas a partir de árvores mortas por Franz Krajcberg (leia o quadro). Enquanto o polonês radicado no Brasil erigiu toda a sua obra como uma denúncia contundente (e um tanto pessimista) da devastação do meio ambiente no país, os quadros de Monet exalam um sentimento oposto: são uma ode luminosa às maravilhas do mundo natural.
![1d-(3)-Claude-Monet,-Maison-de-jardinier-à-Antibes-[Casa-de-jardineiro-em-Antibes],-1888.-Cortesia-do-Cleveland-Museum-of-Art.jpg IDÍLICO - Casa do Jardineiro em Antibes (1888): ode luminosa ao mundo natural](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/05/1d-3-Claude-Monet-Maison-de-jardinier-a-Antibes-Casa-de-jardineiro-em-Antibes-1888.-Cortesia-do-Cleveland-Museum-of-Art.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Mas que o espectador não se engane: embora fosse homem de um tempo em que a destruição das florestas ou o aquecimento global eram tópicos inexistentes, Monet captava, com sua maestria e sensibilidade, os sinais de um mundo em transformação — com as consequências ambientais do progresso já se delineando no horizonte. Em 2023, pesquisadores das universidades de Harvard e Sorbonne mostraram que as pinturas de Monet contêm registros pioneiros dos efeitos da poluição na Londres da Revolução Industrial. Fascinado pelo fog da capital inglesa (que mais tarde se saberia que não era feito só de neblina natural, mas também de fumaça das fábricas), o francês produziu quadros que eternizam lugares como as pontes de Waterloo e Charing Cross debaixo de uma névoa bela, mas opressiva.
![1D-(4)-Claude-Monet,-Pont-[Ponte]-de-Waterloo,-effet-de-soleil-[efeito-do-sol],-1903.-McMaster-Museum-of-Art.-Foto_-Robert-McNair.jpg VISIONÁRIO - A vista da ponte de Waterloo: um registro da poluição em Londres](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/05/1D-4-Claude-Monet-Pont-Ponte-de-Waterloo-effet-de-soleil-efeito-do-sol-1903.-McMaster-Museum-of-Art.-Foto_-Robert-McNair.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
A noção de que os seres vivos, inclusive os humanos, estão conectados com a natureza ganhou impulso na segunda metade do século XIX, no embalo do pensamento romântico — e o entusiasmo de Monet com o tema, sem dúvida, espelha sua época. “Ele entendia muito de botânica e jardinagem. Muitos livros em sua biblioteca eram sobre isso”, diz o curador Oliva. Uma das provas fascinantes desse amor é a criação — em moldes absolutamente artificiais, curiosamente, à luz do paisagismo de hoje — de seu jardim em Giverny. Em visita à Exposição Universal de Paris de 1889, Monet conheceu as ninfeias coloridas recém-desenvolvidas pelo botânico Joseph Bory Latour-Marliac (1830-1911) e comprou várias delas para adornar seu lago. Assim a arte e a ciência se uniram para celebrar a força da natureza nas telas de Monet.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943