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Teatro Oficina fala em ‘aparelhamento sádico’ dos órgãos de defesa do patrimônio

Em nota, grupo lamenta decisão do Iphan, que permite cercar obra de Lina Bo Bardi por 'mastodontes' e conclama Conpresp, que se eximiu da questão, a agir

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 jun 2018, 13h56 - Publicado em 31 Maio 2018, 13h17

Em resposta à decisão do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que deu aval à construção de torres residenciais, pelo Grupo Silvio Santos, ao redor do Teatro Oficina, no bairro do Bixiga, em São Paulo, a companhia teatral fez uma “Nota denúncia“, em que acusa o “aparelhamento sádico” dos órgãos de defesa do patrimônio — além do Iphan, o texto se refere ao Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), que no ano passado reverteu o tombamento decidido pela própria instituição em 1983, e ao Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) se eximiu de votar a questão no fim de 2017, deixando que o Iphan arbitrasse a questão. A nota é elaborada pelas arquitetas Carila Matzenbacher e Marília Gallmeister, ligadas ao Teatro Oficina, companhia que tem como diretor o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso. O advogado da companhia teatral, Marcio Sotelo, já afirmou que irá recorrer da decisão.

A Sisan, companhia imobiliária do Grupo Silvio Santos, tem o projeto de erguer três torres de apartamentos nos três terrenos que envolvem o Oficina — a fachada do teatro dá para a rua Jaceguai. Uma das torres já havia sido autorizada, e agora o Iphan deu aval às outras duas, inclusive a que deve obstruir a vista do famoso janelão criado por Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta ítalo-brasileira que criou o Masp e Sesc Pompeia e assina o projeto de reforma do Oficina ao lado de Edson Elito. O janelão, de cem metros quadrados, faz a comunicação ou ligação — ou ainda contracenação, como prefere a companhia teatral — do Oficina com a cidade de São Paulo.

Em sua decisão, o relator Marcos Carrillho, do Iphan, fala em respeitar a diretriz do “Cone de Proteção” estabelecido pelo Departamento do Patrimônio Material (Depam) do órgão em 2010, quando do “tombamento provisório” do Teatro Oficina. Para a companhia teatral, no entanto, o cone “sacrifica” o projeto arquitetônico de Lina e Elito, ao confinar o teatro por meio de um “encaixotamento entre torres”. O texto também alerta para a ameaça que correm hoje a Casa de Dona Yayá e TBC, que luta por sua sobrevivência, ambos próximos ao Oficina. O bairro do Bixiga, vale lembrar, é considerado o berço do teatro moderno brasileiro.

Em sua nota, o Teatro Oficina advoga pelo bairro e convoca o Conpresp — até porque Iphan e Condephaat já se posicionaram a favor de Silvio Santos — a agir em defesa do patrimônio. “O Conpresp é responsável pelo tombamento do Teatro Oficina, de diversos outros imóveis e do bairro do Bixiga como um todo (resolução n°22/2002), em uma resolução muito completa que protege por lei o valor material e imaterial do bairro, incluindo não apenas seu valor arquitetônico, mas sua topografia, traçado urbano, seu valor ambiental e seus usos”, diz o texto. “Portanto, é urgente exigir desse órgão de proteção municipal que não siga simplesmente a decisão do Iphan, mas que delibere a partir dos demais bens tombados no entorno do terreno em disputa, já que os objetos de suas proteção são múltiplos e se relacionam numa proteção ampla e cuidadosa de um bairro inteiro.”

Outro ponto em discussão é a finalidade que o Oficina deseja dar aos terrenos que pertencem a Silvio Santos: a companhia propõe que sejam doados ou desapropriados pelo Estado para a a criação de um parque público no local. O ex-prefeito de São Paulo João Doria chegou a intermediar um encontro entre o empresário e apresentador e o diretor e dramaturgo. Foi uma conversa de surdos. Enquanto Zé Celso dizia a Silvio Santos que ambos tinham mais de 80 anos e deviam pensar na cidade, em deixar algo para São Paulo, o Homem do Baú respondia: “Eu não vou morrer”. O poder público também tentou intermediar a questão oferecendo terrenos para uma troca com Silvio Santos, mas ele rejeitou a oferta.

No link abaixo, você pode ver todo o encontro, disponibilizado na íntegra em primeira mão por VEJA:

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Arquiteta reverenciada em todo o mundo, Lina Bo Bardi tem seu projeto defendido por outros arquitetos, por engenheiros, historiadores, artistas e intelectuais em geral. Historicamente, o poder público vinha dando ganho de causa o Teatro Oficina, tanto um patrimônio cultural como histórico, mas desde 2017 as decisões passaram a favorecer Silvio Santos.

 

Leia, na íntegra, o comunicado do Teatro Oficina:

 

NOTA DENÚNCIA
para pensar fora do cone

Na última sexta-feira (25), o Iphan-SP, deu parecer favorável ao projeto de Edifício da RBV, Residencial Bela Vista Empr. Imob. Ltda., aprovando as últimas alterações feitas pela Sisan Empreendimentos Imobiliários — braço imobiliário do grupo Silvio Santos, para a construção de dois mastodontes de concreto de 100 m de altura — além dos andares de estacionamento subterrâneo — no último chão de terra livre do centro de São Paulo, entre as ruas Jaceguai, Abolição e Japurá, no Bixiga, onde vive e respira o Teatro Oficina.

O processo para a construção do empreendimento imobiliário, que havia sido encaminhado pelo Iphan em Brasília, para análise e posterior decisão para a Superintendência do Iphan em São Paulo, teve o parecer favorável do relator Marcos Carrillho.

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O Teatro Oficina foi tombado em 1983 pelo Condephaat, quando o órgão era presidido pelo geógrafo Aziz Ab’Saber. Depois vieram os tombamentos nas instâncias municipal, Conpresp, e federal, Iphan.

A aprovação pelo Iphan segue a diretriz do “Cone de Proteção” estabelecido pelo Departamento do Patrimônio Material do Iphan — Depam, por ocasião da notificação de “tombamento provisório” do Teatro Oficina, publicada no Diário Oficial da União de 15/06/2010. Por se tratar de uma diretriz abstrata, abre caminho para deliberações abusivas e igualmente arbitrárias que violam tanto o Teatro Oficina — considerado pelo jornal The Guardian o mais bonito e intenso teatro do mundo, seguido por Epidaurus — quanto os demais bens tombados no bairro: Casa de Dona Yayá, TBC… O Cone de Proteção em verdade não protege o bem tombado, Teatro Oficina, essa obra de arte de Lina Bo Bardi e Edson Elito, mas trata de sacrificá-lo num encaixotamento entre torres, se assemelhando muito mais a um cone de perversão a serviço da política de abuso da vida, empreendida pela especulação imobiliária em São Paulo.

O Teatro Oficina é uma espécie de Tekoha (em Guarani se diz: lugar onde se pratica um modo de existir que resiste), em ressonância com as Tekohas indígenas, caracterizada pela contracenação com o Janelão de 100 metros quadrados que ativa o espaço, o fora, o sol, o bairro, a cidade, ou seja, todo o entorno, em ligação profunda com as práticas artísticas da Cia. Interpretações muito mais complexas sobre o valor material e imaterial do entorno de um bem tombado já foram discutidas e acordadas como a Declaração de Xi’an sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural, onde

 

Compreender, documentar e interpretar os entornos é essencial para definir e avaliar a importância como patrimônio de qualquer edificação, sítio ou área. A definição do entorno requer compreender a história, a evolução e o caráter dos arredores do bem cultural. Trata-se de um processo que deve considerar múltiplos fatores, inclusive a experiência de aproximação ao sítio e ao próprio bem cultural.

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Incluir o entorno nesta compreensão demanda uma abordagem multidisciplinar e a utilização de diversas fontes de informação. Tais fontes incluem acervos documentais e arquivos, descrições artísticas e científicas, histórias orais e conhecimentos tradicionais, as opiniões das comunidades locais e daquelas relacionadas ao bem, assim como uma análise das perspectivas visuais. As tradições culturais, os rituais, as práticas espirituais e os conceitos, assim como a história, a topografia, os valores do meio natural, os usos e outros fatores contribuem para criar o conjunto de valores e dimensões tangíveis e intangíveis do entorno. A definição do entorno deve conjugar harmoniosamente seu caráter, seus valores e sua relação com o bem cultural.

Os órgãos de defesa do patrimônio são instituições historicamente fundamentais para a proteção da cultura, da memória, do meio ambiente, da arte, e, no entanto, neste momento estamos diante de um aparelhamento sádico destas forças, submetidas às práticas políticas da especulação imobiliária privatista.

No Iphan, Condephaat e Conpresp, durante muitos anos, operaram re-existências políticas concretas, de Flávio Império a Aziz Ab’saber, de Mário de Andrade a Jurema Machado. Hoje, uma série de práticas desprezíveis, de inversão de valores à inconsistência de laudos e aprovações (no que diz respeito à real defesa dos patrimônios tombados e seus entornos) tem operado politicamente contra os próprios princípios que caracterizam seus fundamentos. Vivemos um processo de desfiguração, e mesmo de deformação, das ações desses órgãos. Lutar pela preservação de bens tombados e seus entornos é também lutar pelo fortalecimento dessas instituições tão massacradas pelas leis de mercado.

A liberação do projeto da RBV pelo Iphan representa mais um avanço violento da especulação imobiliária no último terreno livre, um respiro, no centro de SP. Em outubro de 2017, o Condephaat reverteu uma decisão histórica de seu conselho, que em 2016 negou a construção de torres pelo Grupo SS, aprovando, de maneira tacanha, o recurso do grupo, com parecer favorável à construção das torres. Um grande movimento em defesa do local, pedindo que a área em questão se transformasse em um parque público — um território cosmopolítico, de gestão participativa entre sociedade civil e poder público, suspendeu a votação no órgão municipal, o Conpresp, que decidiu colocar em pauta apenas após a deliberação do Iphan. Portanto, a decisão da última sexta-feira é crucial para que se fortaleça a luta pelo Parque do Bixiga — que já tem um projeto de Lei (805/2017) em curso na Câmara Municipal, como uma re-existência real e possível ao avanço violento da especulação imobiliária na cidade. Trata-se de uma luta de modos de existir que resistem às forças de opressão da vida, da terra, tanto no bairro do Bixiga quanto em toda a cidade de São Paulo.

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Mesmo com a decisão do Iphan favorável às torres, é fundamental entender a diferença dos objetos sobre os quais decidem cada órgão de preservação como um alerta sobre o
entreguismo a que estão submetidos nossos órgãos públicos de preservação do patrimônio. O Iphan delibera apenas sobre o Teatro Oficina, tombado por ele, e a deliberação leva em
consideração apenas o “Cone de Proteção” do janelão do Teatro. O Conpresp, no entanto, é responsável pelo tombamento do Teatro Oficina, de diversos outros imóveis e do bairro do Bixiga como um todo (resolução n°22/2002), em uma resolução muito completa que protege por lei o valor material e imaterial do bairro, incluindo não apenas seu valor arquitetônico, mas sua topografia, traçado urbano, seu valor ambiental e seus usos, portanto, é urgente exigir desse órgão de proteção municipal que não siga simplesmente a decisão do Iphan, mas que delibere a partir dos demais bens tombados no entorno do terreno em disputa, já que os objetos de suas proteção são múltiplos e se relacionam numa proteção ampla e cuidadosa de um bairro inteiro.

POR ISSO, CONVOCAMOS SOCIEDADE CIVIL, MORADORES, INTERESSADOS, ARTISTAS, INTELECTUAIS, PROFESSORES, PESQUISADORES, ARQUEÓLOGOS, GEÓGRAFOS, BIÓLOGOS, ENGENHEIROS, POETAS, MÉDICOS, URBANISTAS, TODOS OS POVOS, PÁSSAROS, PLANTAS, RIOS, ÁTOMOS, PARA SE ALIAREM NA LUTA POR UMA SÃO PAULO COSMOPOLÍTICA com força e fogo pra frear o avanço da especulação imobiliária sobre as nossas vidas.

*O Cone de Preservação é a regulamentação da área envoltória do Teatro Oficina, sugerido pelo Iphan na ocasião do tombamento provisório. De acordo com a restrição, o entorno do Teatro Oficina protegido de edificação se restringe a uma faixa de 20 metros a partir da fachada oeste do edifício, que abriga o janelão do prédio. Dentro deste recuo de 20 metros se inscreve o Cone de Preservação, um cone com abertura de 45° a partir do perímetro do janelão.

 

 

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