Em 1863, Olympia escandalizou a sociedade europeia. A obra célebre do francês Édouard Manet (1832-1883) não provocou reações calorosas simplesmente pela nudez retratada — afinal, a pintura bebe da Vênus de Urbino, do italiano Ticiano, datada de 1538. O fato é que Manet trouxe para o centro de sua tela, sem pudores, a figura de uma prostituta, identificada por detalhes como os acessórios e joias que a acompanham (do brinco de pérolas e da fita em volta do pescoço ao xale oriental sobre o qual repousa). A polêmica Olympia será exposta pela primeira vez no continente americano como destaque de uma mostra do Metropolitan Musem of Arte (Met), em Nova York. Intitulada Manet/Degas, é dedicada à dupla completa por Edgar Degas (1834–1917), e recebe visitas do público a partir de 24 de setembro.
Mais curiosa é a possível relação da obra inquietante com o Brasil, sabendo-se que Manet passou uma temporada no Rio de Janeiro em 1849, conforme revelam as cartas reunidas no livro Manet no Rio, prestes a ser lançado no país. A suposta conexão traçada por pesquisadores se sustenta pela segunda figura representada em Olympia, ignorada pelos europeus na época: há uma mulher negra na imagem entregando flores para a protagonista da tela, indicativo de que poderia se tratar da representação de uma prostituta brasileira — a quem se daria ao luxo de ter uma escrava: uma imagem que Manet pode ter presenciado em terras cariocas. Hipóteses sobre a inspiração que deu origem ao quadro à parte, tanto a intérprete da meretriz quanto a da criada foram modelos conhecidas que posaram para uma série de pinturas de Manet e de seus contemporâneos. Pouco se sabe sobre quem foram, mas elas têm nome: Victorine e Laure.
Uma descoberta recente joga luz sobre a primeira: recentemente, o antropólogo americano James Fairhead revelou ter descoberto uma entrevista de um jornal de 1869 com uma dançarina francesa ruiva que se apresentara com o cancan em Nova York. Seu nome? Victorine Meurent. Enquanto sua modelo já pisou na cidade americana, é a primeira viagem de Olympia à metrópole, vista como um evento grandioso pela comunidade artística dos Estados Unidos. Fora da mostra, o olhar vazio e entediado de Olympia pode ser encontrado no Museu de Orsay, em Paris — onde a mesma Manet/Degas foi exibida no semestre passado, tornando-se grande sucesso de público, com 670.000 visitantes.
Ao se distanciar da elevação venusiana com que os artistas retratavam suas musas nuas, a obra se consagrou, na época, como a cara da modernidade. Além disso, Olympia foi escolhida como ponto focal da mostra pois está no centro da relação entre os dois artistas: após a morte de Manet, em 1883, Degas virou um dos maiores defensores da pintura escandalosa de seu amigo-rival. Ele comprou uma grande cópia da tela para pendurar em seu apartamento. “Esta exposição examina um dos diálogos artísticos mais significativos da história da arte moderna: a relação estreita e por vezes tumultuada entre Édouard Manet e Edgar Degas”, explica a apresentação da exposição. “Ao observar as suas carreiras em paralelo e apresentar os seus trabalhos lado a lado, esta exposição investiga como os seus objetivos e abordagens artísticas se sobrepuseram e divergiram”.