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Para maiores: O sucesso dos desenhos animados entre adultos

Canais abraçam popularidade de animações entre público maduro, com títulos para ver em família, outros proibidos para crianças, e horário especial na grade

Por Maria Clara Vieira e Bruna Motta
Atualizado em 11 dez 2018, 11h32 - Publicado em 11 dez 2018, 09h14
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  • Mais de 3.000 pessoas em frenesi espremiam-se no auditório Cinemark da Comic Con Experience (CCXP), em São Paulo, no sábado 8, aguardando a atração do canal infantil Cartoon Network. Detalhe: boa parte dos fãs era maior de idade. A celebridade em questão era a diretora Rebecca Sugar, 31 anos roteirista do mega-sucesso Hora de Aventura, maior audiência entre adultos da TV paga em 2017 (ela assina também o popular Steven Universo, veiculado pelo canal desde 2013). Muita gente grande participou igualmente do painel dedicado a outra produção para crianças, O Irmão do Jorel, baseada na família do roteirista Juliano Enrico. De olho nesta faixa que só cresce, a Cartoon, quem diria, criou no mês passado um horário na grade dedicado aos desenhos com boa audiência entre adultos: o Cartoon Off-Air. “A classificação indicativa não mudou, mas decidimos dar uma nova roupagem às produções da casa que atraem os mais velhos”, explica Adriana Alcântara, diretora de conteúdo e produção.

    Novembro foi também o mês da estreia de Super Drags, a primeira animação brasileira na gigante do streaming Netflix. Neste caso, o alerta “Só para adultos, querida” logo na chamada não é exagero: apesar da profusão de cor de rosa, corações e apetrechos coloridos, sobram palavrões e elementos fálicos na série protagonizada por três drag queens com superpoderes, cuja missão é proteger o público LGBT das maldades de um terrível deputado-pastor. A produtora, é claro, não escapou dos ataques. A Sociedade Brasileira de Pediatria chegou a emitir uma nota alertando que o programa usa “uma linguagem eminentemente infantil para discutir tópicos do mundo adulto” e o deputado federal Alan Rick (DEM-AC) denunciou em suas redes sociais o suposto “ataque às nossas crianças”. Só se os pais forem muito distraídos: em um dos primeiros trailers, a personagem Vedete informa:  “Vai ter desenho de viado na Netflix, sim. Mas para maiores de 16 anos. Não quer que as crianças vejam? Bloqueia. Coloca senha”. Recado dado.

    Deixar de ser criança nunca anulou a atração pelo desenho animado. “As primeiras animações, surgidas na década de 1920, tratavam de sexo e violência sem restrições”, diz o ex-presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animação, Marcelo Marão, que recorda que, em suas primeiras versões, o hoje dócil Gato Félix fumava, chegava bêbado em casa e agredia a mulher. A ideia de que desenho é coisa de criança foi construída a partir dos anos 1940, com o advento da televisão. Nesta época, a Hanna-Barbera (dona dos Flintstones e dos Jetsons) começou a produzir pequenos curtas para serem exibidos na TV e no cinema antes dos filmes. “O baixo orçamento levou a empresa a se voltar para o público infantil, mais fácil de agradar mesmo com produção simplória”, explica Marão.

    Simultaneamente, Walt Disney lançava as bases de seu império encantado e colhia os frutos do estrondoso sucesso de Branca de Neve e Os Sete Anões, o primeiro longa-metragem animado da história, precursor dos desenhos em série que seriam marca registrada dos estúdios Disney. Firmou-se aí a animação como coisa de criança. “Isso, claro, no Ocidente”, ressalta o especialista. “Nas terras dos animes e mangás, a lógica é completamente diferente”.

    A chegada de Os Simpsons ao canal Fox, em dezembro de 1989, marcaria uma transformação radical no mercado da animação internacional. Inspirados na família do cartunista Matt Growing, os disfuncionais personagens amarelos de Springfield fizeram da sitcom a mais longeva e premiada da história. O sucesso foi imediato: 14 meses após a estreia, a série já havia lucrado 2 bilhões de dólares. Hoje, estima-se que o faturamento da marca esteja na casa dos 12 bilhões. “Os Simpsons viraram a mesa. Abriram definitivamente as portas do mercado das animações adultas voltadas para o grande público, e não só para os festivais especializados”, diz Aída Queiroz, presidente do Anima Mundi. Por alguns anos, reinaram solitários, abrindo caminho para a chegada dos escrachados meninos de South Park, em 1997, e dos gordinhos de Family Guy, em 1999, entre outros. Ainda nos anos 1990, o desenho A Bela e a Fera, da Disney, foi indicado ao Oscar de melhor filme, abrindo as portas da Academia de Hollywood para o reconhecimento do gênero.

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    De lá para cá, o mercado ganhou força. De acordo com o BNDES, animações representam cerca de 25% do mercado audiovisual no mundo, com faturamento estimado em 250 bilhões de dólares em 2017 e 260 bilhões este ano. A indústria audiovisual de animação digital movimentou 500 bilhões de dólares em licenciamento de marcas e personagens em 2017.  O Brasil está entre os seis maiores licenciadores de marcas do mundo, com valor calculado em 17,8 bilhões de reais em 2016.  “Animação custa caro, mas dá dinheiro”, ressalta Aída. “Trata-se de uma linguagem poderosa, que sobrevive à barreira do tempo pela estética mutável e desconexão com a realidade”, explica. Daí o investimento maciço das grandes produtoras em um cardápio farto de desenhos para se assistir em família ou entre adultos.

    Confira a seguir as principais categorias e títulos de desenhos do variado filão animação para adultos:

    Proibido para menores

    Com vocabulário escrachado e bem brasileiro (cara***, po** são constantes, bem como expressões como “lacração” e “POC”), piadas com religiosos fundamentalistas – representados pelo vilão Sandoval Pedroso, profeta e, claro, deputado – e closes de genitália masculina, Super Drags faz jus à indicação para maiores de 16 anos. O filão das animações “proibidas” conta ainda com produções de sucesso e igualmente polêmicas como Mr. Pickles (2014) e A Festa da Salsicha (2016). O humor escatológico é a marca. Mr. Pickles, sucesso do canal americano Adult Swim, gira em torno da relação entre a família Goodman e seu cachorro demoníaco que dá nome ao desenho e tem o singular hábito de devorar vísceras humanas. A série foi a mais assistida do canal durante sua exibição, entre 2013 e 2014, com 1,5 milhão de espectadores. Festa da Salsicha, como o nome indica, mistura comida e sexo em um enredo por vezes indigesto. Lançado no cinema e disponibilizado no HBO Go, canal online do canal HBO, foi alvo de protestos de pais desavisados que deixaram os filhos assistir à história de uma rebelião de alimentos em um supermercado e se depararam com cenas de orgia (envolvendo um pão, uma salsicha e condimentos – mas orgia mesmo assim).

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    O maior expoente da categoria, desbravador dos desenhos com conteúdo exclusivamente adulto, é South Park, de 1997, criação de Trey Parker e Matt Stone. Em longevidade e relevância, a animação politicamente incorreta e francamente grosseira, que acaba de chegar à 22ª temporada, só perde para Os Simpsons. South Park é tão provocadora que a produtora conta com um time de advogados só para lidar com a lista de processos deflagrados por barbaridades como mostrar uma imagem da Virgem Maria menstruada, pronunciar “shit” (merda, em inglês) 162 vezes em um único episódio e fazer a cantora Britney Spears perder a cabeça — literalmente. Em geral, as celebridades que aparecem nos Simpsons se sentem homenageadas. “Em South Park ninguém quer aparecer”, diz Marão.

     

    Problema de gente grande

    Nem só de baixaria vive a animação adulta. Marco histórico no mundo dos desenhos animados, Os Simpsons se transformaram em uma das famílias mais conhecidas do mundo principalmente devido à sua capacidade de transpor para a telinha problemas de gente grande. O pai Homer, bobão, amoroso e sem escrúpulos, integra a classe média suburbana e tem sempre uma lata de cerveja por perto. Além do núcleo familiar composto pela mãe Marge, o filho-problema Bart, Lisa, o “gênio” desajustado, e a pequena Maggie, mais de 150 personagens aparecem regularmente na série, que ganhou fama de oráculo por antecipar a eleição do presidente Donald Trump. “Eles encaixaram tantas situações e personalidades históricas que se tornaram um símbolo da cultura americana”, explica Marcelo Marão sobre o desenho que já tratou abertamente de homofobia, racismo e xenofobia. Três décadas depois de sua estreia, calcula-se que Os Simpsons tenha arrecadado mais de 3 bilhões de dólares só com publicidade.

    Family Guy, da Fox, e (Des)encanto, recente estreia da Netflix dos mesmos produtores de Os Simpsons, também tratam do cotidiano. A plataforma de streaming oferece ainda a irreverente Big Mouth, voltada para o público adolescente, onde o “Monstro do Hormônio” os coloca em situações embaraçosas, e a premiada Bojack Horseman, com elementos surrealistas, em que o personagem principal é um cavalo ex-estrela de Hollywood, carismático e narcisista, em busca de um sentido para a vida. Em entrevista ao New York Times, o criador da série Raphael Bob-Waksberg afirmou: “Se alguma vez houve um cenário mais adequado para dissecar o mau comportamento das celebridades e das pessoas que as capacitam, isso é Bojack”.

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    Para baixinhos e grandinhos

    O conceito de animação “para toda a família” deixou de ser um eufemismo para “programa infantil” quando, nos anos 1990, A Bela e a Fera e O Rei Leão balançaram a percepção que o público tinha dos desenhos animados, explica Marcelo Marão. A compra dos estúdios Pixar – então donos de Toy Story e Procurando Nemo – em 2013 consolidou a Disney como expert na fórmula para agradar pais e filhos, que, aos poucos, começa a dominar o mercado – vide os sucessos estrondosos de Shrek, da Dream Works, e Rio, da Blue Sky. Na TV, destaca-se a Cartoon Network, fundada em 1992 e transmitida no Brasil no ano seguinte. Consagrado por produções como As Meninas Superpoderosas e A Vaca e o Frango, o canal de conteúdo infantil passou a investir em enredos sempre coloridos e desapegados da realidade, mas capazes de prender a atenção dos maiores. É o caso do Steven Universo, de Rebecca Sugar, a singela história de um menino meio-humano, meio-alienígena, incumbido da missão de proteger o planeta das ameaças de sua própria espécie extraterrestre.

    Encerrada em setembro deste ano, a série Hora de Aventura – campeã de audiência entre o público de 18 a 24 anos – segue a mesma linha. A história, que inclui um garoto adotado por uma família canina, uma princesa cor-de-rosa feita de chiclete e uma nuvem roxa com voz masculina que também se intitula princesa, é conhecida por abordar com sutileza temas como depressão, amadurecimento e toda a sorte de problemas familiares (no último episódio, dispensou a sutileza e lascou o primeiro beijo lésbico em um programa infantil). Humor inocente, mas sujeito a dupla leitura é a marca de Irmão do Jorel, a primeira produção nacional do Cartoon e sucesso absoluto tanto entre o público de 4 a 10 quanto o adulto, em toda a América Latina. O desenho, criado por Juliano Enrico com base em fotos engraçadas da própria família, reproduz desde festa junina na escola até a convivência em uma casa cheia de parentes. O protagonista sem-nome que vive à sombra do irmão mais velho bacana – o Jorel – é um charme à parte. “Permite que todos os irmãos caçulas se identifiquem um pouquinho”, brinca Aída Queiroz. Pequenos e grandes, todos caem na risada.

     

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