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Plumas, pitis e paetês

'Rocketman', cinebiografia de Elton John, lança luz sobre a bem-sucedida e conturbada carreira do pianista, cantor e compositor inglês

Por Sérgio Martins, de Londres
Atualizado em 4 jun 2024, 16h30 - Publicado em 19 abr 2019, 07h00
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  • Em 13 de julho de 1985, o Queen fez uma apresentação histórica no Live Aid, em Londres. Bastaram 25 minutos de show para o quarteto inglês mesmerizar 72 000 pessoas no Estádio de Wembley — e 1,9 bilhão de espectadores de TV no mundo todo. Mas havia uma pessoa na Terra irritadésima com aquele desfile catártico de hits. Elton John, dizem fontes abalizadas, contorcia-se de ódio nos bastidores, enquanto Freddie Mercury se consagrava como o maior performer de sua geração. “Seus desgraçados, vocês roubaram o show”, teria dito Elton, olhinhos revirados, ao topar com os integrantes do grupo. “Como vou encarar a plateia depois disso?”

    Eis que, 34 anos após o Live Aid, Elton John volta a medir forças com seu maior rival naquela vertente do rock dos anos 70 que misturava a grandiloquência com o colorido kitsch de plumas e paetês. Rocketman, cinebiografia do cantor e pianista, chega às salas de cinema brasileiras em 30 de maio com a missão de igualar — ou, quem sabe, superar — o sucesso de Bohemian Rhapsody, que conta a vida de Mercury e, aliás, tem naquele fatídico dia do Live Aid seu ápice. Curiosamente, as duas produções trazem o mesmo diretor, Dexter Fletcher. “Assumi Bohemian para consertar alguns problemas da produção. Em Rocketman, participei desde o início e tive uma ideia clara da história que gostaria de contar”, disse Fletcher a VEJA durante encontro com a equipe que fez o filme, em Londres.

    É parada difícil suplantar o filme sobre o vocalista do Queen, que passou a marca de 1 bilhão de dólares de bilheteria mundial. Mas, seja qual for sua trajetória, Rocketman já terá um mérito: tal e qual aconteceu na esteira de Bohemian Rhapsody, vai trazer às novas gerações um artista que teve sua música ofuscada pela estampa excêntrica. Reginald Kenneth Dwight era o que os ingleses, no seu humor sempre sincero, chamam de “chubby” — um gordo fofinho. Mas um fofinho de grande talento: no fim dos anos 60, o jovem prodígio do piano troca uma carreira promissora de futuro concertista pelo rock’n’roll. Tomando de empréstimo o nome do saxofonista de sua banda de então, ele criou a persona artística hoje conhecida — Elton John. Rocketman narra os principais lances da ascensão do cantor, vivido pelo galês Taron Egerton (de Kingsman). Recria as apresentações consagradoras no Troubadour, em Los Angeles, em 1970, bem como seu concerto para mais de 100 000 pessoas no estádio de beisebol dos Dodgers, também naquela cidade americana, cinco anos depois.

    Elton John
    DEUS DOS BABADOS –  As fantasias de Elton John: como Carmen Miranda mucho loca no ‘Muppet Show’ (acima); de Pato Donald no Central Park, em Nova York (no alto, à dir.); vestido de “bandeira americana” (ao lado); e como um gatinho de salto alto (Ron Pownall/Corbis Premium/Getty Images - Alan Messer/Rex/Shutterstock)

    O filme pretende iluminar o homem atormentado que no palco se convertia em roqueiro cintilante. À maneira de — bingo! — Freddie Mercury, Elton teve problemas em aceitar a homossexualidade. Seu vício em drogas e sexo chegou a afetar os shows. Tão importante quanto os babados pessoais, porém, é a ligação quase espiritual com o letrista Bernie Taupin. A parceria impulsionou a carreira de ambos. “Elton nunca foi grande letrista, mas teve Taupin a seu lado para expressar o que sentia. E Taupin encontrou nele alguém que deu alma às suas letras”, diz o inglês Jamie Bell, que encarna Taupin em Rocketman.

    Composições memoráveis falam por si sobre o valor da parceria. Em Someone Saved My Life Tonight, Taupin traduz em versos a tentativa de suicídio do amigo, no início dos anos 70. Sorry Seems to Be the Hardest Word trata do fim de um dos quatro casamentos do letrista (que é hétero, vale esclarecer). Encontra sua entonação perfeita no cantor: a voz de Elton transmite a dor dilacerante do parceiro ao se separar da então mulher.

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    Na disputa das biografias, Elton tem ao menos uma vantagem sobre o rival Mercury: como está vivo e atuante aos 72 anos, acompanhou de perto a elaboração do filme e até treinou Egerton — que canta de verdade — na arte de imitá-lo (confira a entrevista com o ator). O intérprete, por sinal, se diz algo à vontade nas cenas de sexo gay— e assume alguns dos visuais clássicos do cantor, com seus óculos gigantes e roupas inacreditáveis. Nos anos 70, Elton John era uma versão, digamos, histriônica do camaleônico David Bowie: subia ao palco de gatinho, Pato Donald ou “bandeira americana”. Em participação no seriado Muppet Show, superou de longe os bonecos ao surgir como uma Carmen Miranda com penas multicoloridas.

    Rocketman
    AMIZADE MUSICAL – Jamie Bell e Taron Egerton como Bernie Taupin e Elton John: letrista e cantor em simbiose criativa (David Appleby/Paramount Pictures/.)

    Se Rocketman corresponderá à figuraça que retrata, ainda é impossível afirmar — só um resumo de quinze minutos (palpitantes, é verdade) do filme foi revelado até agora. De qualquer forma, será um acréscimo de peso à indústria do “retrofit” de velhas estrelas da música para consumo das novas plateias. Bohemian Rhapsody elevou em 267% a busca por canções do Queen nas plataformas virtuais — e parte considerável da audiência é de jovens de 18 a 25 anos.

    Objetivos comerciais à parte, Elton John merece o esforço de resgate. Ele foi capaz de combinar melodias inspiradas nos Beatles com o soul e o blues americanos. O período que vai de 1970 a 1976 rendeu hits como Your Song e Skyline Pigeon — que, numa audição mais apurada, revelam um instrumentista de qualidade indiscutível e letras que abordam desde temas pessoais até assuntos como os pioneiros americanos e personagens da Bíblia. O cisma de Elton e Taupin, no fim dos anos 70, interrompeu a sucessão de composições de qualidade. Eles retomaram a parceria em 1980, mas a tentativa de reeditar os bons tempos esbarrou na diminuição da criatividade de Elton — que voltou com força total somente em 2001, quando de novo se juntou a Taupin no disco Songs from the West Coast.

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    Embora tenha se assumido como bissexual na década de 70, Elton manteve sua vida privada em segredo. Em 1984, casou-se com a engenheira de som alemã Renate Blauel, mas o affair não prosperou. Também foi casado com John Reid, seu empresário — que cuidava igualmente da carreira do Queen. Se em Bohemian Rhapsody o maridão é um sujeito boa-praça, o Reid de Rocketman é interpretado com vilania por Richard Madden, o aguado Robb Stark de Game of Thrones. “Ele é da mesma região da Escócia que eu, então pude entender as motivações do personagem”, diz seu intérprete. Reid era um sujeito de atitudes violentas. Certa vez, chegou a esbofetear uma socialite porque achou que ela não respeitou seu artista e amante (hoje, Elton é casado com uma figura mais amena: David Furnish, cineasta canadense). O affair de Elton e Reid causou uma pequena celeuma na produção de Rocketman. O estúdio quis cortar uma cena íntima da dupla na qual os glúteos brancos de Madden são dissecados pela câmera. “Ela será mantida”, diz o diretor Fletcher. Te cuida, Freddie Mercury: essa batalha será nua e crua.

    Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631

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