Além de terem de competir com os fantasmas do passado, que faziam um som melhor e mais original, os roqueiros do presente precisam rebolar muito para parecer mais descolados na competição com os veteranos dos Rolling Stones. No One World: Together at Home produzido pelas entidades Global Citizen e Organização Mundial da Saúde no último dia 18, a sequência entediante do festival de lives foi quebrada pela apresentação memorável dos velhinhos ingleses que mandaram ver em You Can’t Always Get what You Want. Mick Jagger apareceu em plena forma, Keith Richards viajou como sempre em seu mundo particular, Ronnie Wood caprichou na gaiatice e Charlie Watts elevou para alguns metros o sarrafo do conceito do que é ser cool ao “tocar” uma bateria imaginária sobre uma base gravada diante de uma audiência global, batendo com as baquetas em caixas e no braço de uma poltrona. Músico brilhantemente discreto, Mr. Watts, hoje com 78 anos, sempre manteve a estica, mesmo em momentos tensos. Certa vez, durante uma madrugada, com a banda hospedada em um hotel, Jagger resolveu convocá-lo às pressas dizendo que precisava falar com o “meu baterista”. Watts fez a barba, vestiu um terno sob medida feito na Savile Row, a rua dos alfaiates chiques de Londres, e, ao se ver diante do cantor, mandou um direito no queixo dele. Em seguida, calmamente, deu meia-volta. Como diz outra velha canção dos Stones, é somente rock’n’roll, mas nós gostamos. O One World foi mais um exemplo de que pedras rolando são à prova de tédio.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684