A trajetória de Jorge Mario Bergoglio, o atual papa, vai além da empática personalidade do jesuíta na minissérie Pode me Chamar de Francisco. Exibida no fim de 2015 na TV italiana e abraçada em seguida pela Netflix, que disponibilizou os quatro episódios em dezembro, a atração é uma das muitas pérolas ofuscadas pelo imenso catálogo do serviço de streaming. Escrito e dirigido por Daniele Luchetti (de filmes como Meu Irmão é Filho Único e Anos Felizes), o programa acompanha os primeiros passos do ministério sacerdotal de Bergoglio, na Buenos Aires das décadas de 1960 e 70, enquanto mostra sem pudores o terror da ditadura militar argentina.
Logo no primeiro episódio, Bergoglio se divide entre a vida mundana e o chamado espiritual. Alvo do afeto de uma jovem colega, ele prefere o caminho da abstinência e busca fervorosamente ser um missionário no Japão. Porém, seu país e arredores se mostram mais necessitados de sua presença e ação.
Os demais episódios focam no jogo de cintura do sacerdote, capaz de olhar o ser humano sem categorizá-lo entre rótulos partidários ou religiosos. Ao longo da ditadura, ele intervém pelos colegas de missão presos e torturados do mesmo modo como ajuda ateus a fugirem do país. Enquanto aconselha padres de comunidades carentes, também mantém um relacionamento estável com o alto-escalão da igreja católica — acusada de acobertar os crimes dos militares.
Fé, política e missão se misturam no roteiro, que traça uma teia de relacionamentos e atitudes do padre que se tornaria o primeiro papa jesuíta e latino-americano em 2013. O perfil desenhado por Luchetti condiz com as muitas declarações inovadoras e até controversas feitas por Francisco. Um homem que antes de pensar na igreja como uma suntuosa instituição já refletia a igreja como um corpo orgânico, formado por seres humanos.