Em vez de ópera, balé e concerto, um show gospel. Nesta quinta-feira, sobe ao palco do Teatro Municipal do Rio a bispa Sonia Hernandes, líder da Igreja Renascer em Cristo. Ela apresentará o espetáculo Renascer Praise in Concert. A programação causou estranhamento aos artistas do teatro, que é um equipamento da Secretaria de Cultura do Estado. Com salários atrasados em decorrência da crise financeira fluminense, eles se ressentem da falta de recursos estatais para se investir nos espetáculos com cantores, músicos e bailarinos da casa.
O Teatro Municipal do Rio, embora municipal no nome, é gerido pelo governo do Estado. De todo modo, também causou surpresa que o concerto aconteça apenas dois dias depois de o prefeito Marcelo Crivella (PRB), que é pastor evangélico, vetar a mostra Queermuseu, aquela cancelada pelo Santander em Porto Alegre depois da grita de conservadores que enxergaram pedofilia e zoofilia em obras da exposição, no MAR, o Museu de Arte do Rio. A instituição é gerida em parte pela prefeitura carioca.
O texto de divulgação do Renascer Praise In Concert explica que a bispa, formada em regência, canto e coral, “desde pequena sempre se envolveu com a música”. “O Renascer Praise nasceu de duas vontades que combinaram: a de Deus, em querer abençoar o povo e habitar no meio dele (porque a Bíblia diz que Deus habita no meio dos louvores) e a vontade da Igreja Renascer e da bispa Sonia em adorar ao Senhor de todas as formas, com todos os instrumentos e ritmos”, continua o texto.
Segundo a Secretaria de Estado da Cultura, o valor do aluguel está sendo utilizado para complementar o pagamento dos servidores do próprio teatro
O Renascer Praise foi montado primeiro em 1984 e já passou por palcos do Citibank Hall e do Estádio do Pacaembu. Além da bispa, apresentam-se outros artistas do gênero gospel.
Em 2007, a bispa e seu marido, Estevam Hernandes Filho, também fundador da igreja, foram presos pela polícia dos Estados Unidos por evasão de divisas, depois de viajarem a Miami com 56 000 dólares em dinheiro vivo, guardados no fundo falso de uma Bíblia. No Brasil, eles responderam por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e estelionato.
A Secretaria de Cultura do Estado defendeu a programação, em nota enviada à reportagem. Sustentou que o palco do teatro “é alugado para arte e cultura, sem preconceito” e citou outros espetáculos de cunho religioso já realizados, como The Great Voices of Gospel, em 2007, a gravação do DVD do Padre Fabio de Melo, em 2013, e um evento da comunidade espírita, em abril deste ano, com a liderança Divaldo Franco.
“O Teatro Municipal do Rio é um espaço cultural democrático, com foco nos espetáculos eruditos. Além de sua temporada de produções próprias, abriga eventos dos mais diversos segmentos em seu palco, que pagam à casa um aluguel pelo uso do espaço. O valor do aluguel, a partir de uma decisão da atual gestão, assim como a bilheteria dos espetáculos, está sendo utilizado para complementar o pagamento dos servidores do próprio teatro, sendo fundamental para o enfrentamento da crise financeira do Estado”, justifica a secretaria.
Os artistas do teatro entendem que o aluguel é uma forma de o Estado levantar dinheiro para a manutenção da casa centenária, mas lamentam não haver recursos para se investir nos corpos artísticos e em seus espetáculos. “Ninguém está feliz com isso, com as condições atuais. A gente queria ópera, balé, concerto, isso, sim. Se não tem, então aluga-se o espaço. De alguma forma tem que ser mantido funcionando. Muita gente está estranhando. Queremos investimentos na produção própria do teatro”, disse Pedro Olivero, representante do coro e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Ação Cultural do Estado.
O último espetáculo com os corpos artísticos foi a ópera Tosca, com cinco récitas, que foram do dia 22 ao 29 de setembro. Por conta da falta de dinheiro para pagar o transporte até o teatro e para almoçar, os artistas pararam de trabalhar após o encerramento da montagem. Eles não receberam os salários de agosto nem setembro, tampouco o 13º de 2016.
O balé O Lago dos Cisnes, que estrearia dia 22 de outubro, não deve ser realizado. Isso porque não há condições para haver ensaios, segundo Olivero. O espetáculo pode ser transferido para dezembro, quando já estava previsto outro balé, O quebra-nozes, tradicionalmente montado perto das festas de fim de ano.
(Com Estadão Conteúdo)