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Terceira temporada de ‘La Casa de Papel’ é um papelão sem fim

Sequência da série espanhola chega com produção luxuosa, mas sem abandonar a queda pelo absurdo que fez dela um fenômeno mundial

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 15h37 - Publicado em 12 jul 2019, 06h30
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  • Empenhado em seduzir a russa Gala Diakonova, o pintor Salvador Dalí quis tornar-se irresistível: penteou os cabelos com uma pasta de cola de peixe e excremento de bode, pintou as axilas de vermelho, escolheu uma roupa extravagante e completou a toalete com um colar de pérolas falsas e um gerânio atrás da orelha. Deu certo: Gala sucumbiu, e viveu com o grande nome do surrealismo pelos 55 anos seguintes, até sua morte. Vá entender. Nada mais apropriado que os criminosos de La Casa de Papel usem máscaras que reproduzem as feições de Dalí, com as inconfundíveis sobrancelhas arqueadas, os olhos arregalados e o bigodinho retorcido: ele é a cara da série conhecida pelas reviravoltas rocambolescas, sem pé nem muito menos cabeça, mas que, apesar disso (ou talvez por causa disso), é um sucesso mundial — tanto que foi encampada pela Netflix, que produziu sua terceira temporada e a põe à disposição na sexta-feira 19.

    A série do espanhol Álex Pina é a campeã entre os programas de língua não inglesa da plataforma e virou fenômeno da maneira mais legítima possível, na base do boca a boca. Nesta nova incursão, porém, a Netflix fez chover dinheiro sobre Pina e seus comparsas: cerca de três anos depois do roubo à Casa da Moeda espanhola, em que o grupo do Professor (Álvaro Morte) imprimiu centenas de milhões de euros com a ajuda de numerosos reféns, o episódio inaugural da terceira temporada (que tem o título autoexplicativo de Estamos de Volta) começa com a contagem regressiva para uma certa “Hora Zero” e localiza os personagens num punhado de locações exóticas, do Caribe à Indonésia e à Tailândia, e dos Pampas argentinos à Toscana italiana. O que fará com que eles se reúnam novamente? Um resgate? Um novo golpe? Um plano já armado e só agora posto em prática? Esse é um dos dons de Pina — a maneira como ele pontua seus enredos com tal quantidade de interrogações que o público nem repara mais se o sujeito e o predicado conversam entre si.

    Em termos objetivos, é difícil achar em La Casa de Papel qualidades que justifiquem uma recepção tão positiva. O roteiro é uma sucessão de improbabilidades: a inspetora de polícia larga a operação para ir tomar um café ou um rabo de galo, a refém decide deixar o amante e ficar com o sequestrador, o morto que não estava morto de fato… Os personagens têm zero de psicologia, os diálogos são pavorosos e o elenco vai do sofrível à canastrice ululante — categoria em que Úrsula Corberó, a Tóquio, merece menção honrosa (Álvaro Morte se salva pela simpatia, e Alba Flores, a Nairóbi, é a única com alguma competência dramática).

    E, no entanto, uma parcela expressiva do público considera La Casa de Papel um vício irresistível. Nos colégios brasileiros, a série virou mania: a rapidez e o imprevisto da trama, o espírito anárquico dos bandidos e o jeito moderninho de filmar caíram no gosto dos adolescentes. Como já havia demonstrado também em sua série anterior, Vis a Vis, Álex Pina é prolífico nos “ganchos”; cada episódio tem uma meia dúzia deles, provocando uma comichão tal que até os espectadores que resistem ao clima de vale-tudo sentem necessidade de seguir em frente. E não há como negar que existe um charme considerável nessa facilidade com o despropósito que colore parte da criação. De maneiras diversas, ela se faz presente em artistas de altíssimo calibre como o pintor barroco Diego Velázquez ou o romântico Francisco Goya, nas fases iniciais do cinema de Pedro Almodóvar, em muito da obra de Luis Buñuel ou em todos os filmes de Álex de la Iglesia — e, claro, em toda a vida e a obra de Salvador Dalí, que podem ser descritas como uma grande, e muito lucrativa, performance do absurdo. Se Gala cedeu à sedução de um doido, não há como julgar o espectador por dobrar-se também ao folhetim espanhol.

    Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643

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