Autoridade financeira do país e instituição respeitada por sua atuação, o Banco Central do Brasil é objeto de uma discussão que pode alterar os rumos da política monetária brasileira. Está, finalmente, na pauta do Senado a proposta que determina a autonomia formal do Banco Central, com definições fundamentais para elencar a política monetária do país a patamares desenvolvidos. O projeto que pode ser votado nesta terça-feira, 3, coloca entre as atribuições a criação de mandatos formais de quatro anos (não congruentes aos da Presidência da República) e a possibilidade de recondução ao cargo por mais quatro anos, instituindo um tempo formal de mandato, hoje inexistente.
A proposta traz duas palavras fundamentais à política de condução monetária: isenção e credibilidade, fundamentais aos olhos do investidores e para o país a longo prazo. Se aprovado no Senado e posteriormente na Câmara, o projeto determina que a posse do presidente do Banco Central se dê no terceiro ano do mandato presidencial, exatamente para desmantelar as garras políticas da instituição — não por acaso.
Atualmente, a condução da política monetária pode ser atrelada às diretrizes dos mandatários, o que tem potencial de afastar a imagem de condução independente e primordialmente técnica da manutenção de juros, inflação e câmbio.
A última ata do Comitê de Política Monetária, o Copom, trouxe lembranças que a política pode estar sempre próxima ou relacionada às decisões (apesar de conduções coerentes da política monetária como faz o atual presidente Roberto Campos Neto). Na reunião da semana passada, o colegiado manteve a taxa básica de juros da economia, a Selic, inalterada em 2%, sinalizando que cortes residuais estão atrelados ao andamento da agenda de reformas. O Copom chamou a atenção para a possibilidade de elevação da Selic caso o prêmio de risco do país se eleve com um agravamento ainda maior do desequilíbrio fiscal.
Apesar de necessárias e urgentes ao país, as reformas não podem ser a única base para decisões de política monetária, deixando o cenário atual de lado. “O Banco Central agiu como torcedor, o que é inviável num momento como este. A agenda de reformas é importantíssima, mas a instituição não pode se basear em desejos políticos para tomar decisões de política monetária”, diz Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor da instituição.
Histórico de vinculação
Vinculado ao Ministério da Fazenda, a Superintendência de Moeda e Crédito, a Sumoc, foi criada pelo presidente Getúlio Vargas em 1945, como um primeiro passo pela institucionalização das diretrizes para os juros e inflação do país depois da Segunda Guerra Mundial. A Sumoc era responsável por orientar as políticas de controle do câmbio e regulamentar o setor bancário, além de, evidentemente, buscar o controle da inflação e fomentar o consumo a partir do direcionamento das taxas de juros, num momento em que a economia mundial estava em frangalhos. Em paralelo, o Banco do Brasil era responsável pelos arcabouços relacionados à política externa, enquanto o Tesouro Nacional era imbuído da emissão de moeda. Em dezembro de 1964, o Banco Central então foi instituído como principal autoridade monetária do país, sob a caneta do ministro da Fazenda Octávio de Gouveia Bulhões.
Está aí, portanto, o pecado original da instituição. Já sob a Ditadura Militar, na presidência de Humberto Castello Branco, o Banco Central tinha suas atribuições atreladas às decisões dos militares, responsáveis pelas indicações e manutenções de cargos em diretorias e superintendências. Vale dizer que o Banco Central Brasileiro é um neófito perto de instituições respeitadas mundo afora — cuja autonomia é base de qualquer preceito de suas atribuições. Para se ter ideia, a fundação da instituição que se tornaria o Federal Reserve, nos Estados Unidos, data de 1791, sob a imagem e semelhança do Banco da Inglaterra, cuja instauração se deu em 1694. Em ambas as respeitadíssimas autarquias, a independência é norte da política monetária dos países, mesmo que formalmente isso só tenha acontecido há poucas décadas. No caso britânico, no governo do premiê Tony Blair.
A ingerência da política é nociva para o ambiente econômico brasileiro. Com uma instituição atrelada ao Poder Executivo, as manifestações e políticas do governo federal têm maior impacto sobre as oscilações do câmbio. Como esquecer da infortunada frase do ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito do dólar alto e empregadas domésticas indo para a Disneylândia? Apesar de falas — principalmente as infelizes — de autoridades sempre influenciarem o câmbio, a proposta que fixa mandatos temporais e descola a instituição do poder público promete arrefecer om impacto de membros do governo na flutuação do câmbio.