Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

À beira do abismo

A crise nas redes de livrarias Saraiva e Cultura, as maiores do país, deixa as editoras brasileiras em situação delicada

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h26 - Publicado em 9 nov 2018, 07h00

É dramático o momento do mercado editorial brasileiro. As duas maiores redes de livrarias do país, a Saraiva e a Cultura, que, juntas, respondem por cerca de 40% das vendas de livros (ficção e não ficção), estão em gravíssima crise financeira. E a derrocada de ambas ameaça levar junto uma parte das editoras, com consequências negativas para os escritores e leitores. Profissionais com décadas de experiência afirmam que nunca enfrentaram turbulência parecida (leia a coluna de José Francisco Botelho, na pág. 101). A redução da tiragem de obras e do número de lançamentos, a limitação de espaço a novos autores e a demissão de funcionários já são medidas adotadas por editoras para diminuir o prejuízo nos últimos meses. Mas o esforço pode ser em vão. “Sabemos que a situação das editoras é muito dura, e nossa postura é negociar como alguém que está do mesmo lado da mesa. A Saraiva precisa de editoras fortes e saudáveis para voltar a crescer”, afirma Jorge Saraiva Neto, diretor-presidente da livraria.

A dívida da Cultura, a segunda maior rede do país, é de 285 milhões de reais. Sem conseguir pagar o que deve, a empresa pediu recuperação judicial, um instrumento da lei que a protege e lhe permite ganhar tempo — são seis meses sem pagar os credores — enquanto monta um plano de reestruturação do passivo a longo prazo. A Saraiva, cuja dívida é estimada em 420 milhões de reais (dos quais 100 milhões em atraso, segundo cálculos do mercado), está em negociação com as editoras para tentar evitar o mesmo caminho, mas sua primeira proposta foi recusada na última semana. As duas já vinham atrasando pagamentos havia meses. Fundador da Sextante e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos Pereira acredita que a possibilidade de editoras fecharem por não receber das duas redes é real, especialmente entre as pequenas e médias companhias. Elas estão numa encruzilhada: não podem abrir mão das vendas nos dois gigantes, mas ao mesmo tempo sabem que a probabilidade de tomar um calote é enorme. “É um momento muito nebuloso”, define Pereira. Para seduzirem o leitor, editoras e distribuidoras têm lançado mão de alternativas como clubes de assinatura, uso de plataformas de venda como Submarino, Amazon e Magazine Luiza e feiras de livros. Em paralelo, o investimento em sites próprios de e-commerce também cresceu. Mas ainda são canais de venda complementares, sem o público cativo que a Saraiva e a Cultura oferecem.

A situação das duas maiores redes de livrarias do país obedece a um enredo clássico de crise. Cada uma a seu modo, ambas fizeram investimentos — como lojas muito grandes, as megastores, com mais de 1 500 metros quadrados — que não deram o retorno esperado. Num momento de euforia da economia brasileira, contraíram dívidas para fazer investimentos que não se mostraram sustentáveis. Eletrônicos passaram a dividir espaço com livros, DVDs e CDs nas prateleiras da Saraiva. Se por um lado o mix ajudou a elevar a receita, por outro se mostrou um desafio para os executivos. Esses itens respondem por um terço do faturamento, mas consomem metade do capital de giro da empresa e têm uma complexidade tributária com a qual as livrarias, habituadas à isenção de impostos, não sabem lidar. Para tentar se reerguer, a Saraiva voltará a se concentrar em literatura e música, anunciou a demissão de 700 funcionários e o fechamento de vinte lojas. Na renegociação com as editoras, ainda em andamento, não está descartada a troca de parte da dívida por ações da companhia.

Somada às más decisões executivas, a recessão econômica do país formou a tempestade perfeita. As receitas com as vendas de livros caíram 20% na crise de 2015 a 2017. Outro fator fundamental para a crise foi a estratégia de promoções agressivas de editoras e livrarias. Mesmo livros recém-lançados que eram best-sellers garantidos foram colocados à venda com descontos de 20% ou mais, o que comprometeu a rentabilidade. É uma estratégia consagrada pela Amazon, que ganha dinheiro com outras fontes, mas a prática já era adotada no mercado brasileiro muito antes de o gigante americano entrar no país, em 2011. A francesa Fnac e a Submarino (no comércio on-­line) foram duas das pioneiras desse modelo no Brasil. Para as editoras, o plano era ampliar a base de leitores e compensar a redução da margem de lucro com o volume de vendas. Não deu certo e a conta não fechou. A inflação acumulada nos últimos oito anos ficou em torno de 50%, impactando despesas como aluguéis e salários, enquanto o preço médio do livro caiu 8%.

Agora, as editoras e as livrarias buscam inspiração em modelos como o francês, com limitação do desconto oferecido em lançamentos. As livrarias, por sua vez, prometem implementar inovações que busquem a eficiência da operação. É importante que se mexam rápido, para evitar que um passo em falso arraste todas para o abismo — o que seria uma tragédia para a cultura nacional.

Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.