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A busca da cooperativa Aurora para retomar reputação e virar referência em sustentabilidade

Associação recebeu denúncia de trabalho análogo à escravidão em 2023 e passou pela tragédia climática de 2024, e agora segue por novos caminhos

Por Felipe Erlich, de Bento Gonçalves
1 fev 2025, 08h00

O produtor de vinhas Nacir De Mari, 67 anos, estava dormindo quando a primeira grande chuva atingiu a propriedade de sua família, em Bento Gonçalves (RS), onde a viticultura resiste há quatro gerações. Dias antes, no final de abril de 2024, não se imaginava que o distúrbio climático em curso seria capaz de atingir a dimensão de catástrofe. Três dos 10 hectares de onde a família De Mari tira o sustento foram destruídos por deslizamentos. Foi o sobrinho de Nacir, Luciano De Mari, que o convenceu a não desistir daquele pedaço de terra. “Serão cerca de 500 000 reais para reconstruir, sendo que faturávamos 700 000 reais por safra”, diz o produtor de 41 anos. Enquanto as obras estiverem em andamento, nos próximos quatro anos, a colheita da família será equivalente a pouco mais da metade daquela de antes do estrago na área.

arte Aurora

Os De Mari são uma das 1 100 famílias que compõem a Cooperativa Vinícola Aurora, a maior desse ramo no Brasil. Cerca de 8% dos cooperados tiveram suas propriedades danificadas pelas enchentes, mas nenhum deles desistiu da viticultura. Um dos atingidos foi o próprio presidente da organização, Renê Tonello. As chuvas causaram danos no terreno do líder dos produtores locais e o obrigaram a ficar um mês morando longe de seus vinhedos devido à falta de energia elétrica. Sob o comando de Tonello, os agrônomos da cooperativa formularam mais de quarenta projetos de financiamento para a reconstrução das propriedades atingidas pela chuva excessiva. A iniciativa vai mobilizar 4,5 milhões de reais do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que tem o apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Sede da Aurora: cooperados sofreram com as enchentes do ano passado
Sede da Aurora: cooperados sofreram com as enchentes do ano passado (Daiane Zat/Divulgação)

Cooperados que não sofreram com deslizamentos também tiveram problemas. Para a produção de uva na Serra Gaúcha, 2024 foi um ano de quebra de safra. A Aurora, que colheu 70 milhões de quilos da fruta no período anterior, viu o contingente diminuir para 50 milhões de quilos. Nesse cenário, a empresa optou por comprar mais insumos no mercado, o que foi uma decisão acertada. “Quando quebras de safra acontecem, buscamos parceiros para compensar”, afirma Tonello. A Aurora estima uma recuperação da safra em 2025. Consequências de um clima mais adverso, contudo, vieram para ficar e, ao lado de um histórico conturbado da cooperativa na área social, impulsionam um “choque” de adoção de boas práticas socioambientais.

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arte Aurora

A Aurora aderiu ao mercado livre de energia há cinco anos, tornando sua matriz elétrica totalmente renovável. A iniciativa fez com que 1,3 milhão de toneladas de dióxido de carbono deixassem de ser lançados na atmosfera desde então. Em paralelo, uma consultoria especializada em ESG foi acionada em novembro de 2023 para auxiliar na modernização do negócio. Atualmente, a Aurora está mapeando suas emissões de carbono referentes aos chamados escopos 1 e 2, que envolvem a utilização do CNPJ da cooperativa, mas não de seus mais de 1 000 produtores associados — tarefa bem mais complexa. “Fizemos parcerias com a academia para adaptar esse mapeamento para o escopo 3, incluindo os cooperados”, diz Bruno Peixoto, especialista em sustentabilidade que auxilia na estratégia da cooperativa. Quanto às ações já tomadas nos escopos 1 e 2, estão incluídos os bons frutos colhidos no mercado livre de energia, além da atualização de equipamentos, como a compra de empilhadeiras elétricas.

Renê Tonello, presidente da Aurora: quarenta projetos de financiamento para reconstruir as propriedades
Renê Tonello, presidente da Aurora: quarenta projetos de financiamento para reconstruir as propriedades (Eduardo Benini/.)
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O aconselhamento externo contratado pela Aurora acerca do ESG não veio com a crise climática vivida pelo Rio Grande do Sul em 2024, mas a partir de outro momento de crise aguda — dessa vez, envolvendo a letra “s” (social) da famosa sigla. Em um dos momentos mais dramáticos dos 94 anos de história da cooperativa, uma operação policial realizada em 2023 descobriu trabalhadores em condição análoga à escravidão prestando serviços na colheita. Os escravizados foram contratados pela empresa terceirizada Fênix, que atendia grandes nomes da Serra Gaúcha, como Salton e Garibaldi, além da Aurora. À época, as três produtoras de vinho rescindiram seus contratos com os parceiros.

O vasto portfólio de bebidas produzidas pela empresa: uma das maiores do setor no Brasil
O vasto portfólio de bebidas produzidas pela empresa: uma das maiores do setor no Brasil (./Divulgação)

Desde que o caso veio a público, a cooperativa realizou uma série de reuniões com o Ministério Público do Trabalho. Em resposta ao ocorrido, todos os trabalhadores contratados para prestar serviço aos cooperados agora contam com alojamento dentro das propriedades rurais que atendem à regulação. Com isso, a organização passa a exercer um controle minucioso sobre as condições de alojamento. “Diretrizes de ESG vão entrar na próxima versão do estatuto da Aurora”, diz Rodrigo Arpini, diretor de vendas da cooperativa. “É muito importante institucionalizar as práticas para moldar comportamentos que influenciem na construção de uma cultura empresarial responsável”, diz Marcel Fu­kaya­ma, cofundador do Sistema B Brasil, que concede selos de sustentabilidade a empresas.

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A implementação de práticas sustentáveis é uma tendência no setor. Responsável pela linha de sucos Campo Largo e também originária da Região Sul, a vinícola Zanlorenzi reduziu suas emissões de dióxido de carbono em 80% nos últimos cinco anos ao trocar o combustível fóssil de suas caldeiras por biomassa. Já o gigante chileno Concha y Toro, que tem presença considerável no mercado brasileiro, afirma ter reduzido suas emissões de carbono em 30% nos últimos dez anos. Apesar dos desafios recentes, o futuro da Aurora é promissor. O faturamento da cooperativa, que ficou em 841 milhões de reais no ano passado, deverá chegar à casa do bilhão pela primeira vez em 2026, segundo projeção interna. Além de ser benéfica para a saúde do planeta, a sustentabilidade traz frutos financeiros para a empresa.

Publicado em VEJA, janeiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 10

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