‘A construção vai ser leve e sustentável’, diz presidente da Saint-Gobain
Para Javier Gimeno, líder da empresa na América Latina, a tendência mundial de construir gastando menos recursos vai se impor aqui também
O espanhol Javier Gimeno chegou há três anos ao Brasil para liderar a operação da Saint-Gobain na América Latina. Fundada na França em 1665, a empresa tem um histórico notável, que inclui a fabricação dos extraordinários espelhos do Palácio de Versalhes. No ano passado, a Saint-Gobain faturou 48 bilhões de euros, o suficiente para colocá-la entre as maiores companhias de materiais de construção do mundo. A empresa tem forte conexão com o Brasil, onde está presente há 87 anos e detém marcas como Brasilit, Quartzolit, TekBond, Norton e Telhanorte. Na entrevista a seguir, Gimeno fala sobre o bom desempenho da operação brasileira, explica por que aposta na construção sustentável e comenta como os velhos entraves nacionais afetam os negócios. Confira a seguir os principais trechos.
Como o senhor avalia o ambiente de negócios no Brasil atualmente? O recente aumento da taxa de juros pode ser interpretado como um passo para trás, mas o país está bem orientado em termos de criação de emprego e crescimento econômico. O que ocorre é que temos dois problemas principais. Um deles é puramente circunstancial, que é a inflação provocada pela seca, com impacto nos preços de energia e eventualmente nos de alimentos. Isso vai terminar, porque o Brasil vai ter uma evolução dos preços como no resto do mundo. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a inflação está em queda. O segundo problema é de disciplina fiscal. Nesse caso, acho que o governo tem que mostrar uma determinação, uma vontade mais forte para convencer a comunidade internacional de que o Brasil merece crédito. Se esses dois elementos avançarem, eu acho que dá para crescer muito. O país tem um potencial enorme, especialmente no campo em que a Saint-Gobain é ativa.
O desempenho do setor da construção está dentro do esperado? Estamos observando alguns sinais positivos. Os volumes estão voltando a crescer em relação ao registrado há alguns meses. Nada particularmente espetacular, mas a tendência é boa.
Essa tendência está expressa em quais tipos de produto? Está expressa em construção e renovação. Eu fico muito otimista porque a Saint-Gobain está presente no segmento de construção leve e sustentável. O nível de penetração dessas soluções ainda é muito baixo no Brasil. Se o ritmo de penetração desses produtos continuar acelerando, como está ocorrendo agora, o crescimento vai ser espetacular.
Poderia dar um exemplo? Lançamos há nove meses uma nova linha de produção de placas de gesso, com um investimento de 50 milhões de dólares. E essa nova linha já está saturada. A utilização de placa de gesso per capita no Brasil é de apenas 0,7 metro quadrado por ano. Nos Estados Unidos, são 10 metros quadrados anuais; na China, 3,5 metros quadrados. Se o Brasil atingir simplesmente o consumo médio chinês, eu terei que multiplicar por cinco a minha capacidade de produção no país. E isso vai acontecer porque a virada para a construção leve e sustentável não vai parar, é um fenômeno mundial.
“Os padrões brasileiros para a emissão de poluentes são inferiores aos dos Estados Unidos e da Europa”
O que é exatamente construção leve e sustentável? São duas características principais. Primeiro, estamos falando de materiais e soluções que precisam de menos recursos, seja em termos de energia ou de mão de obra. Quando você vai fabricar uma placa de gesso, uma argamassa como as que a Saint-Gobain fabrica, a pegada de carbono é muito mais baixa. O consumo de energia para a fabricação desse produto também é menor, assim como a utilização de mão de obra. O segundo aspecto é que são produtos mais econômicos na instalação, o que representa um ganho de produtividade muito grande.
É possível dimensionar esse ganho de produtividade? Se você comparar um tijolo tradicional com uma construção composta de módulos prontos fabricados pela Saint-Gobain, o ganho em produtividade é espetacular. São necessários dois dias para construir uma parede de tijolo e três horas com uma solução dessas. O terceiro elemento é a experiência do usuário final, tanto em termos de conforto, considerando o aspecto acústico e térmico, quanto em relação ao consumo de energia. Você vai gastar menos com ar-condicionado ou calefação. No Brasil a calefação não é um problema, mas em outros países, sim.
Qual é o impacto dessas iniciativas para a redução das emissões de poluentes? Essas medidas vão contribuir de forma importante para a redução da pegada de carbono. A estimativa é que 40% das emissões de gás carbônico no planeta tenham origem na indústria da construção. Aplicando essas novas tecnologias, você pode reduzir a pegada de carbono de forma espetacular e, além disso, levar para a construção mais produtividade, reduzindo o custo de produção dos prédios.
Quais são os obstáculos que impedem o Brasil de avançar no ramo da construção? O Brasil tem uma regulamentação que não é muito exigente em termos de responsabilidade de emissões de CO2. Os padrões brasileiros ficam abaixo daqueles em vigor nos Estados Unidos e na Europa. Vou dar um exemplo: na Europa, você não pode construir um prédio sem utilizar vidro duplo, um modelo que reduz a troca de temperatura com o ambiente exterior, porque a intenção é diminuir a necessidade de ar-condicionado. Temos um problema na regulamentação, na qual o governo brasileiro precisa avançar.
Mas essa obrigatoriedade não aumenta custos? Se você compara um vidro duplo com um vidro simples, é lógico que é mais caro. Mas quando você olha a cadeia completa de custo, há uma justificativa também financeira, porque você vai economizar no consumo de ar-condicionado e energia.
E há também a questão de escala, já que no Brasil o consumo baixo impede a redução de preços. Sim, essa é uma questão. O Brasil tem uma população de 213 milhões de habitantes, mas a escala é pequena. O número de linhas de fabricação de vidro no país é de doze, entre as da Saint-Gobain e as de concorrentes. A China tem uma população que é mais de seis vezes maior, mas o número de fábricas de vidro por lá é de 230. E há um problema de (falta de) conhecimento. O consumidor e o construtor ainda não conhecem a tecnologia. Toda a responsabilidade (disso) é da Saint-Gobain. Esse trabalho de educação, de fazer a prescrição, é nosso. Estamos acelerando esse processo. Mas é preciso dizer que o consumidor brasileiro tem uma conscientização cada vez mais forte em relação ao meio ambiente.
A construção leve e sustentável representa quanto dos negócios da Saint-Gobain no Brasil? Quase tudo. No Brasil, (esses produtos) são em torno de 80% de nossas vendas. Nós focamos na parte leve e sustentável. Estou considerando todos os negócios industriais. Não estou considerando o varejo, que não é sustentável e é um outro tipo de negócio.
“Os produtos chineses estão chegando com preços 20% ou até 30% mais baixos que os praticados no Brasil”
Quando foi a virada de chave da Saint-Gobain para a linha mais sustentável? A Saint-Gobain chegou ao Brasil em 1937. Nesse período, o portfólio mudou bastante. Nos últimos vinte anos, foi feito um reposicionamento em relação aos conceitos de construção. Esse trabalho foi acelerado com a chegada de um novo CEO global, há cinco anos. Sentimos que, para seguir sendo um ator relevante, precisamos de diferenciais. Nossa capacidade de inovação e de propor soluções sustentáveis cumpre esse papel.
Qual é a participação do Brasil nos negócios da América Latina? Era 60%. Mas, neste ano, fizemos uma aquisição grande no México, da Cemix, e com isso a participação do Brasil deve cair para mais perto de 50%. De todo modo, o país vai seguir como o centro de gravidade da região. Não só pelo tamanho, mas porque é o local do nosso centro de pesquisa e desenvolvimento, em Jandira, no interior de São Paulo. Temos também sessenta fábricas no Brasil.
Há uma preocupação com a concorrência vinda dos fabricantes da Ásia? Eu fui presidente da operação da Saint-Gobain na Ásia. Conheço os dois lados. Há uma desaceleração na China, em especial do mercado imobiliário. Então, os chineses estão com muita capacidade livre e tentam vender a qualquer preço para fora de seus mercados naturais. Seus produtos chegam com um valor 20% ou até 30% abaixo dos praticados no Brasil. É uma concorrência muito intensa.
As importações são relevantes no Brasil? Em 2021, as importações representavam 4% do mercado brasileiro. Hoje, estão acima de 25%. O problema que temos é sobre futuros investimentos: quem vai investir aqui se o Brasil ficar em uma posição frágil em relação aos asiáticos?
Publicado em VEJA, outubro de 2024, edição VEJA Negócios nº 7