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A geração Y no poder

Os nascidos após 1981 chegam a cargos de chefia e surpreendem seus patrões ao expor publicamente, e em grupo, suas insatisfações com os rumos das empresas

Por Hugo Vidotto
Atualizado em 4 jun 2024, 16h27 - Publicado em 26 abr 2019, 07h00

Lidar com levantes de clientes insatisfeitos nas redes sociais já entrou para a rotina corporativa. Consultorias fazem fortuna ensinando às empresas como manejar as revoltas digitais protagonizadas pelos membros da geração Y, também chamados de millennials, assim definidos os que têm, hoje, entre 23 e 38 anos. O que vem inquietando muitos executivos, agora, é deparar com críticas públicas dos próprios funcionários, especialmente nos gigantes de tecnologia. O alvo mais recente foi a Amazon, empresa avaliada em quase 1 trilhão de dólares. No início de abril, começou a circular um abaixo-assinado endereçado a seu fundador, o bilionário Jeff Bezos, e ao conselho de administração da companhia. Em menos de dez dias, mais de 6 700 funcionários, de estagiários a diretores, deixaram o nome e o cargo no documento, facilmente identificáveis numa busca pelo LinkedIn.

Numa espécie de rebelião de crachá, eles foram a público demandar políticas ambientais mais amplas e detalhadas, além de criticar contratos com petroleiras, que usam o braço de computação em nuvem da companhia. A carta pede o apoio dos patrões à aprovação de uma resolução no encontro anual de acionistas, marcado para 22 de maio, em que a Amazon se comprometa a especificar publicamente como pretende reduzir o uso de combustíveis fósseis em sua operação. Como uma parcela dos funcionários recebe como benefício participação na empresa, eles são acionistas minoritários e têm direito a levar suas exigências à reunião. A Amazon, num documento oficial, recomendou aos demais acionistas que vetem a resolução, mas o estrago em sua reputação já está feito.

O movimento mostra um lado menos glamouroso, ou menos agradável para as empresas, do comportamento dos millennials no mercado de trabalho. Até há pouco tempo, muitas companhias se esforçavam para se abraçar a eles, que prezam um propósito de vida como valor fundamental do trabalho e do emprego. Ao garantirem (ou fingirem garantir) que fazem do mundo um lugar melhor, companhias, especialmente de tecnologia, atraíram os melhores talentos da geração Y. “Quando esses profissionais não enxergam o discurso na prática, a reação é chamar a empresa à coerência”, diz Francine Lemos, presidente da consultoria Cause. Os millennials têm o poder de ampliar sua voz: críticos e adeptos do engajamento digital, eles fazem barulho e chamam a atenção de outras gerações, que podem não ter o mesmo desprendimento em relação à discrição e privacidade, mas também estão nas redes sociais acompanhando tudo.

Só no ano passado, o Google recebeu uma avalanche dessas chamadas. Primeiro, cerca de 4 000 profissionais assinaram uma carta-denúncia sobre a participação da empresa num programa do Pentágono que usava inteligência artificial para identificar imagens obtidas por vídeo. “O Google não deve estar no mercado da guerra”, afirmava o texto, endereçado ao CEO, Sundar Pichai. A empresa agiu. Lançou um código de conduta para o uso de inteligência artificial e não renovou o contrato. Desistiu também de outra licitação com o órgão que poderia trazer 10 bilhões de dólares a seus cofres. Em novembro, milhares de funcionários saíram às ruas no meio do expediente, em diversos países, após uma reportagem do jornal The New York Times revelar que executivos acusados de assédio sexual teriam sido dispensados da companhia com altas indenizações. Pouco depois, cerca de 800 profissionais assinaram outra carta, contra os planos de atuação do Google na China, o que o levaria a adequar-se a políticas de controle e censura do governo. A empresa já deixara o país, pelo mesmo motivo, em 2010.

Google e Jeff Bezos
CHOQUE DE GERAÇÕES –  Funcionários do Google tiveram sucesso em seus protestos (à esq.). Bezos (à dir.): a Amazon promete resistir à pressão (Tolga Akmen/AFP - Jim Watson/AFP)
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A liberdade com que os jovens empregados atacam seus patrões não se deve unicamente à idade dos ativistas de crachá. Trata-se de uma força de trabalho bastante qualificada e disputada a tapa nos Estados Unidos (que goza de níveis baixíssimos de desemprego), o que garante certo poder de barganha. Também são profissionais que se formaram em meio a uma cultura nascida no Vale do Silício de transparência radical, resumida no lema “a informação quer ser livre”. O próprio Google sempre defendeu essa ideia e abriu espaço para as opiniões de todos. O ativismo dos millennials, porém, pode servir de inspiração às empresas. Deve haver um ponto de encontro entre as transformações do mercado, com mais transparência e responsabilidade socioambiental, e a necessidade de lucro — imperativa — para que um negócio sobreviva. Ouvir os millennials e convidá-los a debater questões e propor soluções é uma forma de manter-se a par de suas movimentações e compartilhar, assim, a realidade dos negócios. Foi o que fez a Salesforce. O gigante de softwares também recebeu seu abaixo-assinado digital. Seus funcionários exigiam o fim das relações comerciais da companhia com a agência americana de controle de fronteiras, que na época ganhava as manchetes por separar crianças de pais que tentavam entrar nos Estados Unidos ilegalmente. Após muito barulho, a empresa criou uma diretoria executiva, o “Escritório de Uso Ético e Humano da Tecnologia”, para definir diretrizes e promover discussões com os empregados. “Apesar de o capitalismo caminhar numa direção mais responsável, mercado ainda é mercado”, diz Pedro Waen­gertner, CEO da Ace Startups, consultoria e aceleradora de negócios.

No Brasil, as empresas tentam aprender com os erros dos estrangeiros antes que o problema apareça. No Nubank, um dos maiores exemplos brasileiros de companhias da nova economia, o fundador David Vélez, de 37 anos, passa uma hora e meia por semana respondendo a perguntas de qualquer funcionário que quiser se sentar com ele. As cadeiras andam concorridas. Desde 2018, sua força de trabalho dobrou para 1 500 pessoas. Delas, 80% têm até 35 anos. Nos cargos gerenciais e com equipes para liderar, a idade média dos profissionais é 32 anos. Para evitar percalços, houve um trabalho de preparação com a equipe original, em especial com quem estava na empresa desde o início, para lidar bem com novos millennials cheios de opinião. Muitos disseram que as inovações da companhia, inclusive internas, precisavam ser divulgadas. “Eles queriam ser mais reconhecidos também fora da empresa”, diz Ana Paula Maia, de 31 anos, gerente de employer branding, responsável por fazer com que a marca da empresa continue atraindo novos profissionais — função que ocupa há um ano e que foi criada justamente para ajudar a companhia neste momento de expansão de uma equipe tão particular.

A preocupação do Nubank pode parecer distante para empresas de perfil mais tradicional. Não deveria. Além de questões mais óbvias, como o avanço demográfico, cedo ou tarde, em ao menos algum aspecto dos negócios será impossível concorrer sem empregar novas tecnologias, o que exigirá contar com a força de trabalho dos maiores especialistas no assunto: os millennials. “Como todas as empresas precisaram da eletricidade em algum momento, todas dependerão das tecnologias digitais”, diz Denis Balaguer, diretor do Centro de Inovação da EY no Brasil. O Magazine Luiza é uma das companhias brasileiras mais adiantadas. Em 2011, sua divisão de desenvolvedores de softwares, o Luizalabs, contava com dois profissionais. Hoje, são 850, e já correspondem a 30% da área administrativa da empresa. Do laboratório, saem inovações empregadas no site, lojas e sistemas do Magazine Luiza, com base em tecnologias como análise de dados e inteligência artificial. Entre as políticas de comunicação, uma delas, criada especialmente para esse grupo, é um encontro mensal para discutir questões caras aos funcionários, de diretrizes da empresa a mudanças na estrutura da equipe. “Quase toda a estratégia passa por esse departamento”, diz Patricia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas do Magazine Luiza. “São profissionais de perfil mais questionador, o que, para nós, é de grande valor.” Pois é preciso ouvi-los, antes que saiam fazendo abaixo-assinados.

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Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

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