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A gestão atrapalhada do Baú

Modelo de administração do Grupo Silvio Santos praticamente não evoluiu após os anos 1960

Por Ana Clara Costa e Rodrigo Levino
12 nov 2010, 19h53
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  • O embrião do grupo Sílvio Santos surgiu em 1958, quando o então radialista e animador, já conhecido como Silvio Santos, ganhou de seu amigo, Manoel da Nóbrega, um presente de grego chamado Baú da Felicidade – uma loja de brinquedos e utilidades domésticas àquela altura quase falida, na qual os clientes pagavam várias parcelas e, ao final, após quitarem o valor total, retiravam o produto. Sílvio reavivou o negócio e o tornou lucrativo, ao mesmo tempo em que desenvolvia sua carreira como animador televisivo na TV Paulista e, mais tarde, na rede Tupi. O grande problema do crescimento – e enriquecimento – do apresentador era a dificuldade de encontrar profissionais a quem confiar a administração de seus ascendentes negócios. Quando simpatizava com um, logo o contratava e atribuía-lhe alta responsabilidade. Essa prática se replicou ao longo dos anos e dita as regras de gestão do Grupo Sílvio Santos até hoje. As empresas do grupo dividem-se sob o comando de familiares e amigos de longa data.

    Segundo o livro A Fantástica História de Sílvio Santos, do jornalista Arlindo Silva – que assessorou Sílvio por vinte anos -, a renda utilizada pelo apresentador era proveniente apenas do entretenimento. Tudo o que era obtido com outros negócios servia para engordar o bolo do grupo Sílvio Santos. No livro (uma biografia não-autorizada), Silva reproduz uma entrevista dada pelo apresentador à revista O Cruzeiro, em 1972, em que ele conta como contratava seus funcionários. “Meu primeiro diretor tinha um escritório de contabilidade. Prestava serviços ao então deputado Carlos Kherlakian, das Casas Econômicas de Calçados, com várias lojas na cidade. Como eu ia muito às Casas Econômicas – porque elas patrocinavam meu programa na Nacional -, eu encontrava sempre esse rapaz e via que ele era muito trabalhador, estava sempre no seu posto, via a maneira como ele falava, como ele se comportava. Fiz uma oferta e ele tornou-se diretor da minha financeira e foi, durante 13 anos, o diretor do Baú da Felicidade”, relata o apresentador.

    O jovem a quem Silvio se refere é Ascenção Serapião, que permaneceu em suas empresas por quase 40 anos, até o final dos anos 90 – época em que comandava a área de veículos do grupo. Um começo humilde sempre foi bem visto pelo homem do baú, na hora de eleger seus executivos. Tal política se manteve com o passar dos anos. Nada de processo seletivo, contratação de headhunters para executivos, ou uma área de Recursos Humanos ativa. O próprio presidente do grupo, Luiz Sebastião Sandoval, é ex-engraxate e começou jovem sua carreira na companhia. Conseguiu graduar-se em direito e transformou-se em advogado do grupo. Em 1991, quando o ex-cunhado do apresentador e então presidente do grupo, Mário Albino Vieira, deixou seu cargo, Sandoval – que havia se transformado em diretor da área de Comércio e Serviços – assumiu a presidência. Ocupa o posto até hoje, além de ser o braço direito de Sílvio Santos. O executivo acompanhou o apresentador em todas as suas conversas com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para a obtenção do crédito de 2,5 bilhões de reais para salvar o Panamericano.

    Algo semelhante aconteceu com a contratação de Rafael Palladino, primo de Íris Abravanel, e presidente do Panamericano no momento da fraude. Ex-personal trainer de origem humilde, Palladino era ambicioso e, ao entrar no grupo Sílvio Santos, em 1990, demorou menos de cinco anos para chegar à diretoria do banco. O tino comercial e a ousadia de seus “achados” profissionais despertavam em Sílvio admiração. Ao jornalista Arlindo Silva, o apresentador afirmou: “Dei emprego a muitas pessoas que, hoje, dirigem as minhas organizações. São pessoas honestas, competentes e dedicadas.”

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    Integração às avessas – A gestão centralizadora de Mário Albino Vieira (que cuidava até mesmo da folha de pagamentos dos funcionários do SBT) fazia com que, de alguma maneira, as operações estivessem sob um mesmo guarda-chuva. Com sua saída, cada empresa do grupo passou a ter mais autonomia – mas também se institucionalizaram as trocas de “favores” entre diferentes negócios. Nos anos 1990, Ascenção Serapião – ainda no comando dos consórcios – foi denunciado por crime contra o Sistema Financeiro Nacional ao transferir recursos da taxa de administração dos consórcios de automóveis para a deficitária empresa de consórcios de motocicletas do grupo.

    Buscar companhias complementares, que pudessem ‘se ajudar’, sempre foi uma característica do grupo empresarial de Silvio Santos e que foi mantida ao longo dos anos por seus colaboradores. Trata-se de um conceito arriscado de rede, em que a sobrevivência de uma empresa está intimamente ligada ao sucesso de outra. O Panamericano, cujo lucro correspondia a 70% do faturamento anual de 4,5 bilhões de reais do grupo, financiava as demais empresas que, por sua vez, ajudavam as co-irmãs. Para efeito de ilustração, a Telesena dá suporte comercial ao SBT, que recebe anúncios publicitários do grupo Jequiti, divulgado entre clientes do grupo Sílvio Santos. A engenharia intrincada garantiu que, durante todos esses anos, o faturamento das empresas se confundisse e retroalimentasse.

    Muitas das 34 empresas de Silvio são antigas prestadoras de serviços do grupo. Na década de 1970, o Programa Sílvio Santos distribuía cerca de 50 carros Fusca por mês ao seu público. Para eliminar o intermediador, Sílvio Santos decidiu comprar a Vila Maria Veículos (Vimave). Com o Panamericano, a história foi semelhante. O capital arrecadado pelo Baú era aplicado em ativos financeiros por meio de uma empresa terceirizada. Os executivos obtiveram o aval para comprar uma carta patente e criaram uma financeira interna que, em 1990, deu origem ao banco.

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    Se a “integração dos caixas” era uma constante, o mesmo não se pode dizer da gestão. Todas as áreas de backoffice (contabilidade, financeiro e administrativo) das companhias eram autônomas. No início de 2002, houve a intenção de se criar o Centro GSS, para centralizar e otimizar a administração, o RH e a contabilidade de todo o grupo. Na prática, apenas a folha de pagamentos foi centralizada. “O projeto nunca saiu do papel. Nenhum diretor tinha coragem de brigar por isso”, afirma uma fonte ligada às empresas.

    Coisa de família – A influência familiar se estende, sobretudo, ao SBT, hoje dirigido por Daniela, filha do apresentador, e a Jequiti, empresa de cosméticos aos cuidados de Rebeca e Patrícia, duas outras filhas. Íris Abravanel – após ser funcionária do Baú e assim conhecer Sílvio Santos – nunca se envolveu com as empresas até recentemente, quando se propôs a escrever novelas para o canal de TV.

    Não que a gestão familiar deva ser necessariamente catastrófica. No dizer de um profissional do mercado financeiro, contudo, o Grupo Silvio Santos “é uma ONG familiar: todo mundo tira o seu”.

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    Incertezas – A maneira como as peças do Grupo Silvio Santos se ligavam faz com que a queda do Panamericano signifique uma perda maior para o conjunto. Cada uma das empresas vale, desde já, muito menos do que valia anteontem. O SBT, por exemplo, perde um anunciante importante – para o qual não deve encontrar substituto imediato. “Silvio beijou a lona”, diz um analista do mercado financeiro. “O juiz não terminou a contagem, mas, beirando os 80 anos e tendo optado por uma gestão de empório para o seu império, é difícil imaginar que ele se recupere.”

    A Arlindo Silva, na antiga entrevista à O Cruzeiro, Sílvio contou como costumava agir para punir funcionários corruptos do Baú. “Cada vendedor que fazia uma falcatrua, que fazia coisa errada, eu mandava embora e, se ele insistisse, eu mandava prendê-lo”, afirmou o apresentador. Resta saber se, assim como a administração mambembe foi mantida ao longo dos anos, também restam intactas as intenções de Sílvio Santos em relação a seus subordinados fraudulentos.

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