A guerra entre o Congresso e o governo pelo auxílio aos idosos
Ampliação do critério de concessão do BPC está no projeto de flexibilização do 'coronavoucher'; Executivo quer que trecho não seja votado
Ao mesmo tempo que governo federal e Congresso costuram acordos para ampliar o pagamento do auxílio emergencial para trabalhadores informais, Executivo e Legislativo travam nova batalha sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa assistencial voltado a idosos e deficientes de baixa renda que existe desde 1993. No duelo da vez, o governo pressiona a Câmara dos Deputados a derrubar o afrouxamento de critérios de concessão do BPC, aprovados pelo Senado. A implantação da medida, segundo o governo, teria um impacto de cerca de 20 bilhões de reais e instituiria mais uma despesa permanente no orçamento.
Há interesses políticos na ampliação de um dos maiores benefícios assistenciais do país, concedido atualmente a 4,6 milhões de pessoas (sendo 2 milhões de idosos) — para além do momento de emergência. Aumentar o auxílio em um momento vulnerável da população brasileira, ainda mais em um ano que também é eleitoral, é claramente a convergência desses interesses. Parlamentares insistem para emplacar a ampliação do critério de concessão (para uma renda familiar per capita de até meio salário mínimo — 522,50 reais) ao invés do atual piso de 261,25 reais. É inegável a importância do BPC, mas em um momento que todo o esforço de recursos precisa se concentrar ao combate ao coronavírus, cabe ponderar que essa discussão possa ser feita posteriormente.
O argumento do legislativo para insistir com a medida é que a alteração possibilita que mais pessoas poderiam ter acesso ao benefício que é pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, em um momento de crise, é necessário garantir que mais pessoas possam ser abrangidas pela Lei Orgânica de Assistência Social. Segundo o governo, além do impacto fiscal de mais de 20 bilhões de reais neste ano (e de cerca de 217 bilhões nos próximos dez), a ampliação de critérios do BPC seria permanente e extrapolaria as permissões do decreto de calamidade pública (em que não é preciso cumprir a meta de gastos), e isso poderia incorrer em crime de responsabilidade fiscal contra o governo Bolsonaro.
Só neste ano, é a terceira vez que a flexibilização de regras do BPC causa ruído. Apesar de ter aprovado neste ano a possibilidade de ampliação do benefício, a medida está suspensa por decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. A suspensão é resultado de uma batalha de vetos entre o presidente Jair Bolsonaro e o Legislativo. Em março, foi aprovada uma lei com as alterações. O presidente Jair Bolsonaro vetou o trecho, mas, logo depois, o Congresso derrubou o veto. O governo acionou o Tribunal de Contas da União, que restringiu a eficácia da medida, mas também teve a liminar derrubada. O governo, então recorreu, ao Supremo Tribunal Federal e encontrou na figura de Gilmar Mendes um aliado para barrar a mudança.
Já na discussão da lei que estabeleceu inicialmente o auxílio emergencial do “coronavoucher”, os parlamentares também incluíram as alterações dos critérios para a concessão do BPC. Bolsonaro vetou novamente e, com grande possibilidade, deve sofrer nova derrota durante a votação desses vetos antes do fim de maio — prazo máximo para a apreciação desses vetos. Mais uma batalha jurídica que se aproxima.
Agora, no projeto de lei que amplia o alcance do coronavoucher para outras categorias de trabalhadores informais, como motoristas de aplicativos e taxistas, os deputados reinseriram a mudança do BPC. O Ministério da Economia prevê um impacto fiscal permanente muito alto, até 134 bilhões de reais caso essa mudança e um programa de empregos sem critério definido seja aprovado, e finca o pé para ganhar esse cabo de guerra. O PL já está pautado para ser votado na Câmara e pode ter sua apreciação concluída ainda nesta quinta-feira, 16.
Guerra desde a Previdência
A disputa do Executivo e do Parlamento pelo BPC, no entanto, começou a ser travada no ano passado, com derrotas em série do governo. A reforma da Previdência tentou alterar os critérios de concessão do BPC para idosos, alterando a idade de recebimento. Hoje, o benefício pode ser pleiteado por pessoas com 65 anos ou mais, desde que se enquadrem nos critérios de renda. A proposta da equipe econômica do ministro Paulo Guedes propunha pagar o benefício a partir dos 60 anos, mas, ao invés do salário mínimo, o benefício seria de 400 reais. A conversão para o piso nacional só aconteceria aos 70 anos. A proposta de alteração caiu antes que o texto pudesse chegar na comissão especial que analisava a medida na Câmara.
No apagar das luzes da reforma, o governo sofreu nova derrota e no texto aprovado pelo Congresso, teve retirada a inclusão dos critérios de renda para a concessão do benefício. Ou seja, as regras para o BPC permaneceram em uma lei e não na Constituição, como desejava o governo. Com isso, é mais simples a alteração dos critérios.
O que é o BPC
O BPC é um benefício assistencial da Lei Orgânica da Assistência Social. Têm direito pessoas com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade. É preciso que a renda por pessoa da família seja menor do que um quarto do salário mínimo vigente.
Para calcular a renda por pessoa do grupo familiar são considerados o próprio beneficiário, o cônjuge ou companheiro, os pais (ou madrasta e padrasto), os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados. É preciso que todos vivam na mesma casa. Apesar de ser pago pelo INSS, não é necessário que o idoso ou o deficiente tenha contribuído para a Previdência Social para que receba o benefício.