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A visão do CEO da Barnes & Noble sobre a queda de livrarias como a Saraiva

Em entrevista a VEJA, o britânico James Daunt, também à frente da Waterstones, refuta a tese de que livrarias são negócios do passado e promete investimento

Por Felipe Mendes Atualizado em 12 out 2023, 16h22 - Publicado em 12 out 2023, 11h25
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  • Reconhecido como um dos principais executivos no ramo de livrarias do mundo, o presidente-executivo da rede americana Barnes & Noble e da britânica Waterstones, James Daunt, acredita que o foco do mercado deva ser único: a venda de livros. Em entrevista a VEJA, ele critica a diversificação de sortimento promovida por algumas redes (casos, no Brasil, de Cultura e Saraiva, que hoje lutam contra a falência) e surpreende ao revelar que não a gigantesca Amazon e tampouco os novos formatos de livros como algo prejudicial para a existência das livrarias. “A Amazon é incrivelmente eficiente e mais barata para os consumidores. O lado positivo dela é ampliar o acesso aos livros. Com ela, mais pessoas compram livros. E isso é bom”, afirma Daunt. “Eu acredito que se uma livraria se concentra em fazer o que sabe de melhor, a Amazon não será um concorrente direto dela.”

    Algumas redes de livrarias tradicionais do mercado brasileiro, como a Cultura e a Saraiva, expandiram muito na última década utilizando linhas de financiamento público e investindo em megalojas, com a venda de diversos produtos além dos livros. Hoje, esse modelo parece ter sucumbido. Como o senhor avalia o mercado atualmente? Eu acredito que contanto que não se perca de vista o negócio principal, pode-se vender outras coisas além dos livros. Mas se você perde os livros de vista para focar em outros segmentos, você deixará de ter uma boa livraria já que as outras vertentes não vão te transformar em uma boa loja. Para mim, é isso. O problema das grandes cadeias do varejo, nas quais eu encaixo a Barnes & Noble e a Waterstones, foi terem perdido, no passado, seus principais negócios de vista ao tentar fazer dinheiro com outras coisas. Quando elas ampliaram muito o leque de opção na livraria, tornaram-se piores em sua principal atividade, que é vender livros. Depois disso, tiveram que começar a cortar custos, o que as tornaram ainda piores como livrarias. Eu não faço ideia do que esteja acontecendo no Brasil. E isso não é uma crítica a essas empresas. É somente algo que aconteceu conosco.

    O senhor é conhecido como “o homem que salvou a Waterstones” da falência. Como foi esse processo? Eu acho que o que nós fizemos no Reino Unido de forma bem-sucedida no começo – e, agora, também nos Estados Unidos – foi olhar para nossos princípios básicos como uma livraria, com maior cuidado em como classificamos e exibimos os livros, para que o consumidor se sinta mais à vontade para escolher. O problema, para uma grande rede, é trabalhar com isso de formas diferentes em lugares diferentes, capacitando os livreiros locais e descentralizando as decisões nas lojas. Para uma grande rede de varejo, isso é uma coisa difícil de se fazer. A livraria é um formato de negócio que agrada a todas as idades, de bebês e crianças a pessoas mais velhas. Todos gostam. Quando você sabe trabalhar isso bem, a loja se torna um grande atrativo. E essa base renovável de clientes mostra que esse não é um negócio do passado, como alguns fazem crer. 

    A Barnes & Noble tem sido elogiada pela guinada que tomou após a aquisição pelo fundo Elliott, em 2019. A empresa voltará a investir em aberturas de unidades? Sim. Eu penso que é preciso abrir novas lojas para atualizar o negócio, eventualmente fechando uma loja antiga para abrir outra. A Barnes & Noble é muito grande. Entre 2009 e 2019, a empresa não investiu praticamente nada. Eu até entendo parar de investir em novas lojas por um tempo, mas não para sempre. Se você faz isso, o negócio acaba morrendo eventualmente. No nosso último ano fiscal, nós investimos mais de 100 milhões de dólares na abertura de unidades. Estamos fazendo isso porque o negócio está funcionando. 

    Quais foram as mudanças no estilo de gestão após a sua chegada? Nós diminuímos consideravelmente a nossa sede para um tamanho menor possível, que esteja lá apenas para dar suporte às lojas. Esse é o meu trabalho e o das pessoas que trabalham aqui. Além disso, entendemos a necessidade de recompensar adequadamente o nosso time, sobretudo o gerente das lojas, porque a liderança é algo muito importante no negócio. Também é fundamental ter alguém que saiba trabalhar bem com eventos e redes sociais. Em suma, nós estruturamos mais as lojas e investimos em treinamento, desenvolvimento e na remuneração adequada para termos profissionais realmente comprometidos com o negócio. Acho que a somatória disso tudo cria uma livraria melhor.

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    Como o senhor vê a importância da Amazon para o mercado editorial? Para as editoras, ela é extremamente importante. Minha visão é de que a Amazon é incrivelmente eficiente e mais barata para os consumidores. Eles não tentam fazer dinheiro com livros porque eles querem fazer dinheiro com outras coisas. O lado positivo dela é ampliar o acesso aos livros. Com ela, mais pessoas compram livros. E isso é bom.  

    Mas, para as livrarias, isso não é ruim? Nos Estados Unidos e no Reino Unido há uma ampla oferta de bibliotecas públicas. A pessoa entra, pega um livro emprestado e lê. Ou seja, as livrarias sempre competiram com outras formas de acesso aos livros. A Amazon é apenas mais uma delas. Eu acredito que se uma livraria se concentra em fazer o que sabe de melhor, a Amazon não será um concorrente direto dela.

    O modelo de livrarias colaborativas, como a Bookshop.org, ganhou espaço como uma alternativa para gerar caixa para as livrarias independentes durante a pandemia de Covid-19. Isso pode ser uma saída para o varejo de livros frente aos descontos progressivos da Amazon? O que posso dizer pela minha experiência como um livreiro independente e, depois, à frente da Waterstones e da Barnes & Noble, é que nós temos o destino em nossas próprias mãos. Acredito que se há uma boa livraria, as pessoas vão querer visitá-la. Agora, o que pode nos ocorrer são problemas de outra natureza, como a inflação, os impostos, o custo do aluguel e, eventualmente, os governantes. Nós não controlamos isso. O nosso desafio é fazer o máximo possível para termos lojas mais atrativas.

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    James Daunt, CEO da Barnes & Noble e da Waterstones (Leonardo Cendamo/Getty Images)

    Além disso, nós temos outras categorias de leitura ganhando espaço, como os audiolivros e os livros digitais. Isso não prejudica o mercado de livros físicos? A minha opinião é de que essas alternativas são outras formas para que as pessoas se engajem com a literatura. Se a história do livro for boa, a pessoa realmente poderá se beneficiar com esses outros modelos. Você pode correr, por exemplo, enquanto consome um audiolivro. Mesmo os usuários do Kindle [produto da Amazon] ainda compram livros físicos. Talvez eles usem o Kindle por estarem ficando mais velhos, precisando ler com uma fonte [letra] maior ou porque a casa já está cheia de livros. Mas, eu acredito que quanto mais as pessoas se engajarem com a literatura, de forma geral, mais elas poderão entrar em uma livraria para comprar um livro físico também.

    O Brasil tem diversos autores consagrados. O que o senhor conhece da literatura brasileira? Sim. O Jorge Amado talvez seja o autor brasileiro mais conhecido no Reino Unido. Hoje, tem muita coisa sendo lançada com tradução do Benjamin Moser. Ele é ótimo. Traduziu todos os títulos da Clarice Lispector. Eles viraram cânones da literatura moderna. As traduções do Ben Moser têm dado uma voz narrativa diferente para a literatura brasileira, com seu realismo mágico e grandes escritores.

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