Abono, salário mínimo, emendas: o que muda com aprovação do pacote fiscal
Conjunto de medidas conta com uma PEC, já promulgada pelo Congresso, e um PL e um PLP, que foram enviados para sanção presidencial

O Congresso aprovou nos últimos dias três projetos que integram o pacote de corte de gastos do governo Lula. Foram aprovados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 54/2024), um Projeto de Lei (PL 4.614/2024) e um Projeto de Lei Complementar (PLP 210/2024) com novas regras para benefícios, reajuste do salário mínimo e bloqueio de emendas parlamentares.
A PEC foi promulgada já na tarde desta sexta-feira, 20, pelo Congresso Nacional. Já o PL e o PLP foram encaminhados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sanção. O Congresso correu contra o tempo na última semana para aprovar o pacote antes do recesso parlamentar, dada a urgência do corte de gastos do governo. No entanto, medidas enviadas pelo Executivo foram desidratadas pelos parlamentares, o que provavelmente impactará o cálculo de quanto de fato será possível economizar com o pacote.
Confira abaixo os principais pontos dos textos:
Abono do PIS/Pasep
Uma das principais mudanças promovidas pela emenda se refere ao abono salarial do Programa PIS/Pasep, de até um salário mínimo, que é pago a trabalhadores que ganharam até dois salários mínimos mensais no ano anterior.
A correção anual é feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais o ganho real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes — a mesma regra do salário mínimo.
A partir de 2026, esse valor será corrigido apenas pelo INPC, ou seja, não vai mais incorporar os ganhos reais do salário mínimo. O salário de acesso será reduzido gradativamente até chegar a um salário mínimo e meio — o que, na previsão do governo, deve ocorrer em 2035. Com isso, o abono abrangerá menos trabalhadores porque o valor de acesso será menor.
Salário mínimo
O reajuste do salário mínimo entre 2025 e 2030 deverá seguir o Novo Arcabouço Fiscal, de 2023. Além do crescimento mínimo assegurado de 0,6%, o reajuste poderá ser maior se a receita primária crescer mais, porém sempre limitado ao teto de 2,5% em relação ao ano anterior. Todos os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no valor de um salário mínimo serão afetados.
O texto prevê que até 2030 o aumento real do salário mínimo seja vinculado aos índices anuais efetivos de crescimento das despesas primárias. Desse modo, a alta do salário mínimo continua a prever aumento acima da inflação com base no PIB, mas ficará limitado ao crescimento das despesas dentro do arcabouço fiscal, que crescem no máximo 2,5% ao ano.
Atualmente, a correção real acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é equivalente à taxa de crescimento real do PIB do segundo ano antes da vigência do novo salário.
BPC
O Benefício de Prestação Continuada é a garantia de um salário mínimo por mês aos idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. O projeto determina que o recebimento do benefício fica condicionado ao beneficiário ter um documento com cadastro biométrico e exige atualização cadastral a cada dois anos, no máximo. Em 2023, o BPC tinha 5,7 milhões de beneficiários, dos quais 3,12 milhões eram idosos e 2,58 milhões eram pessoas com deficiência.
O projeto também estabelece que, para a pessoa com deficiência, a concessão fique sujeita à avaliação que ateste grau de deficiência moderada ou grave. No entanto, a reação a esse dispositivo foi negativa no Plenário e o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), se comprometeu a garantir que ele seja vetado.
O cálculo da renda familiar exigida para concessão do BPC vai considerar a soma dos rendimentos brutos obtidos mensalmente pelos membros da família que vivam sob o mesmo teto, sendo proibidas deduções não previstas em lei. O requisito para o benefício é que a renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo — em 2025, isso representará R$ 375,50.
Para outros benefícios e programas de transferência de renda que utilizam o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), como o Bolsa Família, a atualização cadastral obrigatória passa de 48 para 24 meses, seja na concessão ou manutenção do pagamento. Se comprovado que a pessoa recebeu a notificação e não realizou a atualização, o benefício será suspenso. A antecedência mínima será de 90 dias, prorrogável uma vez por igual período, exceto para o BPC pago em municípios de pequeno porte, cujo prazo continua a ser de 45 dias.
Também para a concessão, manutenção e renovação de benefícios da seguridade social será exigida apresentação de documento com cadastro biométrico realizado pelo poder público, nos termos de regulamento.
Emendas parlamentares
O texto original do governo previa que o bloqueio ou contingenciamento de emendas orçamentárias seria aplicado a todas as emendas. Pelo substitutivo dos deputados, confirmado pelos senadores, o governo poderá bloquear ou contingenciar apenas as emendas parlamentares não impositivas. Esse bloqueio deverá seguir a proporção de congelamento de outras despesas e também prioridades elencadas pelo próprio Congresso.
As emendas não impositivas são aquelas que o governo não tem obrigação de pagar: as das comissões do Congresso e as do relator do Orçamento. As emendas individuais e das bancadas estaduais são obrigatórias até um limite percentual da Receita Corrente Líquida (RCL).
Despesas discricionárias são as que o governo pode decidir não executar e que são passíveis de bloqueio ou contingenciamento, como investimentos, compra de equipamentos, insumos, execução de serviços (passaportes, por exemplo) e pagamento de bolsas de pesquisa.
Incentivos tributários
O texto do PLP estabelece que, quando ocorrer déficit primário, a União não poderá publicar lei concedendo, ampliando ou prorrogando incentivos tributários até que consiga restabelecer o superávit. A regra valerá a partir de 2025. Quando alcançado o superávit, o Orçamento do ano seguinte não terá mais a trava. O processo será repetido a cada vez que o governo não conseguir fechar as contas.
Da mesma forma, será proibida a concessão de aumento nas despesas de pessoal e de seus encargos, mas somente até 2030. Se houver déficit, tanto o projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) quanto a própria lei do Orçamento não poderão apresentar crescimento anual real dos salários maior do que 0,6% em relação ao ano anterior. A única exceção para isso são os valores concedidos por causa de sentença judicial.
Essa trava das despesas de pessoal valerá para cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também para o Ministério Público da União, a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Contas da União (TCU).
Seguro obrigatório
Outra inclusão dos deputados no texto foi a revogação da Lei Complementar 207, de 2024, que recriou o seguro obrigatório de veículos automotores (SPVAT, antigo DPVAT).
O DPVAT foi extinto em 2020. Ele era custeado por todos os proprietários de veículos, e o dinheiro arrecadado era destinado às vítimas de acidentes de trânsito em todo o país. Se a proposta for sancionada pelo presidente Lula, não haverá a volta da cobrança a partir do próximo ano, como está previsto.
Supersalários
Esse foi um trecho alterado pelos parlamentares durante a tramitação que, na prática, manteve os supersalários do funcionalismo público. Os salários no serviço público que ultrapassam o teto (que hoje é de R$ 44 mil mensais) permanecerão como estão, observando a norma que trata dos valores “extras” até que uma futura lei regulamente quais verbas podem ficar fora do teto remuneratório.
Essa regulamentação será feita por lei ordinária — cuja aprovação requer um quórum menor do que o exigido para lei complementar, conforme previa a proposta inicial do Executivo). Para os críticos da medida, isso significa que será mais fácil permitir “penduricalhos” que ficarão fora do teto.
Fundeb
De acordo com a emenda, o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) poderá ter, em 2025, 10% da parte que vem da União direcionada para o fomento à manutenção de matrículas em tempo integral.
O Fundeb financia as redes públicas de ensino, desde o infantil até o ensino médio. O fundo é bancado pela arrecadação de estados e municípios, mas também recebe complementação da União quando aqueles entes não atingem o valor mínimo por aluno ao ano.
Nos anos seguintes, a regra será de que no mínimo 4% dos recursos sejam destinados às matrículas em tempo integral. Isso deverá ocorrer até serem atingidas as metas de educação em tempo integral estabelecidas no Plano Nacional de Educação.
Subsídios
A PEC promulgada permite ao Executivo reduzir ou limitar — na elaboração e na execução das leis orçamentárias — as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira. O objetivo é que tal redução permita ao governo executar as programações orçamentárias dentro dos limites do arcabouço fiscal. Uma futura lei complementar deve dispor sobre as condições e os limites para concessão, ampliação e prorrogação de incentivos fiscais.
DRU
Com a PEC, a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que iria acabar neste ano, durará até 2032. A DRU permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem por cerca de 90% do montante desvinculado.
Além das contribuições sociais, das contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide) e das taxas, a desvinculação alcançará ainda as receitas patrimoniais — que são aquelas obtidas pelo uso de patrimônio da União, como aluguéis, dividendos, compensações financeiras e direito real de uso, entre outras.
Mas o texto determina que a desvinculação não vai mais atingir o Fundo Social do Pré-Sal nem determinadas receitas com exploração do petróleo “carimbadas” para a educação pública e a saúde: os royalties e a participação especial de áreas que começaram a produzir a partir de 3 de dezembro de 2012 e as receitas da União decorrentes de acordos de individualização da produção de petróleo.
A emenda também explicita que a DRU não atingirá recursos que devem ser transferidos a estados e municípios por força constitucional ou legal.
Até 2032, a vinculação de receitas a despesas não poderá resultar em crescimento superior ao permitido para as despesas primárias. Isso significa que mudanças futuras nos pisos de aplicação em saúde e educação, por exemplo, não poderão levar a um aumento de gastos acima do limite previsto no arcabouço fiscal (entre 0,6% e 2,5%).
A DRU foi incluído na Constituição em 2000 e, desde então, é frequentemente prorrogada.
Fundos
Entre 2025 e 2030, o governo poderá usar os saldos positivos (superávit) de cinco fundos nacionais para abater a dívida pública: Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), Fundo do Exército, Fundo Aeronáutico, Fundo Naval.
(Com Agência Câmara e Agência Senado)