A crise econômica causada pela Covid-19 trouxe um fenômeno curioso: a desvalorização dos bancos americanos no mercado de capitais. Na quinta-feira, 15, o Morgan Stanley anunciou o resultado do terceiro trimestre de 2020, o último dos seis principais bancos americanos a divulgar seu desempenho no período. Os números surpreenderam o mercado, que esperava 2 bilhões de dólares em ganhos: o lucro foi de 2,7 bilhões de dólares, ou 1,66 dólar por ação, 25% acima do mesmo período do ano passado. Já as receitas foram de 11,6 bilhões de dólares, 13% superiores que o ano anterior e acima do esperado pelos analistas, que estimavam 10,6 bilhões em receitas.
O mesmo ocorreu com o Goldman Sachs, mas de maneira ainda mais surpreendente: no período o lucro do banco praticamente dobrou em relação a 2019: alta de 94,4%, para 3,62 bilhões de dólares. Já a receita cresceu 29,5%, para 10,78 bilhões de dólares. Mesmo com os números positivos, no entanto, os ativos dessas empresas não se valorizaram no mesmo ritmo. Pelo contrário, no ano, as ações do Goldman Sachs caíram 9,27%, de 229,9 dólares no fim de 2019 para 208,6 dólares na quinta-feira, 15. O Morgan Stanley, por sua vez, ficou praticamente no zero a zero, com uma pequena subida de 0,41% no período, impulsionada após a divulgação dos resultados positivos de ontem.
A situação dos outros maiores bancos dos Estados Unidos é ainda pior. No ano, as ações do JP Morgan, que detinha a reputação de banco mais bem posicionado no mercado, caíram 27,03%, enquanto o Bank of America se desvalorizou 31,29%. As do Citibank, por sua vez, caíram 45,41%, enquanto os papéis do Wells Fargo baixaram 57,34%. Esse fato ocorre pela forma como o Federal Reserve reagiu à crise. “A impressão de toneladas de dinheiro pelos bancos centrais beneficiou muito mais as empresas de tecnologia, enquanto os setores tradicionais se beneficiaram menos”, diz Roberto Attuch, CEO da Omninvest. “Para os bancos terem um resultado melhor, a economia real, conhecida como Main Street, precisa ter uma performance melhor, e não apenas o Wall Street”, diz ele.
Jargão no mercado, Main Street (rua principal) é uma expressão usada para descrever a economia que afeta a realidade da sociedade, expressa em indicadores como emprego e renda. Já a Wall Street reflete o desempenho das empresas e do mercado financeiro. Como a crise da Covid-19 tem como principal desafio a retomada do consumo da população e, consequentemente, da sua renda e empregabilidade, é natural que os bancos comerciais, que lucram principalmente com empréstimos a pessoas físicas, tenham um desempenho pior que o esperado.
Outro fator responsável diretamente por esse fenômeno é a baixa taxa de juros. Com os investimentos em renda fixa com rentabilidade pouco interessante, houve uma corrida de novos investidores para a bolsa, migrando-os dos bancos para as corretoras de valores. “Cada dia que passa, as pessoas olham menos para as empresas de valor e mais para as empresas de crescimento, que são as de tecnologia”, diz Adriano Cantreva, sócio da Portofino investimentos.
Além disso, nos Estados Unidos a curva de juros longa está pouco inclinada devido à política de compra de títulos públicos do Fed. Um título com vencimento de 10 anos, por exemplo, está com juro em 0,69%, enquanto o que possui vencimento de dois anos traz 0,13%. Dessa forma, a rentabilidade dos bancos cai, pois eles ganham justamente com essa diferença entre os juros curtos e os longo. “O que vai fazer essas taxas longas subirem é a expectativa de recuperação do crescimento da economia real. Porém, isso depende da aprovação do pacote fiscal, que ficou para depois das eleições”, diz Attuch, da Omninvest. Não à toa, o mercado espera ávido pelas eleições presidenciais dos Estados Unidos, cujo resultado deve trazer mais estabilidade política e acenderá novas esperanças para uma nova injeção de benefícios monetários na economia.