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Adani e Americanas mostram fragilidade do capitalismo em países emergentes

De forma quase simultânea ao grupo indiano, os bilionários Lemann, Sicupira e Telles se viram chamuscados por denúncia de fraude contábil

Por Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 10h42 - Publicado em 12 fev 2023, 08h00
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  • Países emergentes costumam ser vistos com certa desconfiança por investidores globais pelas fragilidades de seus sistemas de controle dos mercados financeiros, ainda distantes dos padrões dos países ricos. Ainda assim, episódios como o que envolveu o conglomerado indiano Adani Group, do empresário Gautam Adani, provocaram alvoroço inaudito nas maiores praças financeiras do planeta. O magnata, que chegou a figurar como o número 2 na lista dos homens mais ricos do mundo, foi acusado de fraude generalizada, manipulação de ações e lavagem de dinheiro pela Hindenburg Research, empresa de pesquisa e investimentos baseada em Nova York. A denúncia derrubou em 100 bilhões de dólares o valor do Adani Group, uma das estrelas corporativas da Ásia no setor de energia, óleo e gás, e pulverizou cerca de metade da fortuna do empresário, o equivalente a 60 bilhões de dólares.

    De forma quase simultânea, ainda que em uma escala inferior de valores, o trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, parceiros de investimentos do ícone americano Warren Buffett e acionistas de potentados globais como a AB InBev, Kraft Heinz e Burger King, se viu chamuscado por denúncia de fraude contábil em uma de suas grandes empresas no Brasil, a varejista Americanas. A empresa acabou vergando sob uma dívida de 40 bilhões de reais e entrou com pedido de recuperação judicial. Apesar de diferentes entre si, os dois casos acabaram acendendo o alerta vermelho dos fundos e bancos das principais centros financeiros do mundo.

    Qualquer país, mesmo entre os mais desenvolvidos, é suscetível a fraudes corporativas e financeiras. Os recentes casos da Theranos, nos Estados Unidos, e da Wirecard, na Alemanha, são exemplos inequívocos do problema. Mas os últimos episódios chamam atenção por envolver empresários tão influentes, com fortunas portentosas e em operações que ludibriaram órgãos de controle, auditorias e investidores. Em ambos os casos, acabaram sendo expostas mazelas intrínsecas a países em que a expansão do mercado financeiro não acompanha a aplicação de práticas globais para o setor. O rombo da Americanas, por exemplo, deixou à mostra a constrangedora inépcia dos órgãos reguladores no Brasil. A principal entidade com essa finalidade, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tem orçamento e funcionários insuficientes frente à evolução do mercado de capitais no país, que passou por grande expansão nos anos de pandemia, com a chegada de novos investidores na bolsa e recordes de abertura de capital de empresas. “É preciso melhorar a lei de informações privilegiadas e prever punições mais severas a casos como o da Americanas, atribuindo-se responsabilidades e investigando-se a transparência das companhias que julgam riscos de crédito de uma empresa”, afirma Roberto Teixeira da Costa, uma das maiores autoridades em regulação de mercado no país.

    ROMBO - Sicupira, Lemann e Telles: o lucro era deles, o prejuízo agora é de todos -
    ROMBO - Sicupira, Lemann e Telles: o lucro era deles, o prejuízo agora é de todos – (Editora Sextante/Divulgação)

    Em meio aos anglicismos que povoam o léxico do mercado financeiro, a expressão crony capitalism é a que define com maior precisão a fenomenal evolução do Adani Group. Em português, o termo significa capitalismo de compadrio ou clientelista, em que um governo oferece vantagens a grupos empresariais amigos. “Na Índia, todos os empresários bem-sucedidos também estão próximos do sistema político que está no poder”, diz Alok Churiwala, sócio-diretor da corretora indiana Churiwala Securities e ex-membro do Conselho da Bolsa de Valores de Mumbai (BSE).

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    Com negócios na área de petróleo e ramificações nos setores de infraestrutura e transportes e no mercado imobiliário, Gautam Adani teve a sua fortuna ampliada em 48,7 bilhões de dólares apenas em 2021. No ano seguinte, ele investiu firme em operações de importação de petróleo e gás a preços altamente competitivos da Rússia, impedida de negociar com o resto do planeta depois de invadir a Ucrânia. Muito do sucesso de Adani é atribuído à sua proximidade com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Antes de ocupar o posto, Modi foi governador de Gujarat, estado de origem do bilionário e unidade da federação onde ficam as sedes da maioria das empresas do grupo. Até as denúncias da Hindenburg Research, Adani era saudado como uma surpresa pelo universo das finanças, ávido por novas oportunidades e histórias. Com as acusações, sua trajetória acabou reforçando o velho preconceito de que homens de negócios de países periféricos nem sempre são confiáveis — uma mácula que pode atingir também o estelar trio de brasileiros.

    Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828

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