Alexandre Birman: “Já passei do estágio de ganhar dinheiro”
O CEO da Arezzo&Co, maior conglomerado de moda do Brasil, diz que o setor está desorganizado no país e revela suas ambições para os próximos anos
A vida do mineiro Alexandre Birman, 47 anos, está dividida em diversos papéis. Pai de três filhas, triatleta e designer de calçados, ele é sócio e presidente da Arezzo&Co, o conglomerado com faturamento superior a 12 bilhões de reais por ano, um portfólio de 34 marcas, quase 24 000 funcionários e 2 000 lojas no Brasil e no exterior. Sob seu comando estão grifes como Alexandre Birman, Anacapri, Arezzo, Reserva, Schutz e Vans, entre outras, além daquelas herdadas da recente fusão com o Grupo Soma, como Farm e Hering. É um trabalho colossal, que gira em torno de um objetivo maior, segundo ele mesmo: transformar a moda no Brasil. Em entrevista exclusiva a VEJA NEGÓCIOS, o empresário antecipa projetos que deverão determinar o futuro da companhia, revela como administra as múltiplas tarefas cotidianas e fala sobre a difícil luta do pai, Anderson Birman, fundador da Arezzo, contra a doença de Parkinson. Confira a seguir os principais trechos da conversa feita na sede da empresa, na Zona Sul de São Paulo.
Passados três meses após a surpreendente fusão com o Grupo Soma, quais são os principais planos da Arezzo&Co? Em primeiro lugar, haverá uma mudança da marca corporativa. Estamos criando uma nova companhia, que terá, inclusive, um novo ticker (código de negociação) na bolsa de valores de São Paulo. O nome de marca ainda está sendo definido. De forma geral, é uma nova empresa, com um mercado endereçável muito maior do que a antiga. Essa era uma necessidade que eu estava sentindo no mercado brasileiro. Será uma marca com mais amplitude, que poderá abrigar outras verticais no futuro.
Que verticais serão essas? Temos um plano que vai muito além da marca. Avaliamos a implantação de um programa de fidelidade com cashback, que pode até mesmo virar um produto financeiro. Pretendemos desenvolver novas experiências na troca de produtos e criar um modelo cross-sell (venda cruzada, no jargão corporativo). Podemos lançar, por exemplo, um sistema que permita a uma vendedora da Farm oferecer um sapato da Schutz. A ideia é transformar tudo isso em uma marca que terá sistemas de pagamento diferenciados dentro de nossa ampla rede de lojas.
O grupo planeja acelerar a abertura de lojas em 2024 ou focará no comércio eletrônico? Tivemos 46 aberturas de lojas no quarto trimestre do ano passado, e seguiremos com o plano de abrir muitas outras. Agora, a nossa estimativa é inaugurar pelo menos sessenta unidades ao longo de 2024. A grande base é a Anacapri, marca que está em franco crescimento.
Como está a frente de expansão internacional da Arezzo, em um momento em que o grupo alcança uma nova dimensão? Na verdade, existe um processo inverso, de redução de nossos investimentos no mercado internacional. A operação internacional se concentra nas marcas Schutz e Alexandre Birman, que são as principais, e a grife italiana Paris Texas, que adquirimos em 2023. No entanto, em 2024, o nosso foco será a priorização do mercado interno. Em paralelo, dentro do Grupo Soma, existe a expansão da Farm Rio, com abertura de várias lojas na Europa e com a expectativa de alcançar resultados expressivos. Então, pelos menos nos próximos dois anos, a nossa expansão no mercado externo se dará por meio da marca Farm Rio.
“Meu pai, que fundou a Arezzo, tem Parkinson. Ele faz muita falta. É uma dor profunda”
A marca Alexandre Birman é voltada para o mercado de luxo. A Arezzo tem a pretensão de avançar nesse segmento? Não, a marca Arezzo é uma marca extremamente democrática. Falando de outras empresas internacionais, ela está mais para o estilo da Zara, com um custo-benefício excelente, uma proposta de moda rápida, com ótima qualidade e preços acessíveis. Ou seja, a Arezzo é voltada para um mercado muito mais acessível. Elevamos o brand awareness (reconhecimento da marca), trazendo nomes como o da modelo Gisele Bündchen. No entanto, repito: queremos vender produtos com excelente custo-benefício.
Seu pai, Anderson Birman, escreveu uma biografia em que relata o desafio de conviver com a doença de Parkinson. Como o senhor lida com essa questão? É uma dor profunda. No passado, buscamos algumas tentativas de cura, mas é uma doença que é preciso saber como viver com ela. Não existe cura, infelizmente. No aspecto empresarial, eu já havia assumido a empresa há onze anos. Meu pai não faz parte do conselho de administração desde 2016, mas ele sempre foi meu mentor. Nas decisões mais importantes, sempre estava me apoiando e me direcionando. A decisão final da compra da Reserva foi dele, inclusive. Até por isso, eu procurei reforçar o conselho de administração da Arezzo com nomes tecnicamente bons e de pessoas que admiro. Mas a ausência de meu pai é algo difícil. Ele já está em um estágio muito complicado da doença, em que é difícil discernir as coisas. Ele faz muita falta.
No livro, Anderson Birman disse que, ao empreender, seu objetivo era ficar rico. Qual é o seu objetivo à frente de uma empresa já bilionária? Meu objetivo final é deixar um legado, transformar a moda brasileira. Felizmente, já passei desse estágio de ganhar dinheiro. Não é isso que me move. Estou bastante incomodado com a moda brasileira. Ela está perdida, sem organização de calendário, que é fundamental para a moda. A São Paulo Fashion Week foi perdendo a cadência, o que desorganizou toda a indústria. O Brasil tem tudo o que você precisa para impulsionar a moda: grandes criadores, excelentes matérias-primas, mercado consumidor. O que falta é organização.
Como a Arezzo&Co pode contribuir para mudar esse cenário? A nova companhia que está se formando, da fusão entre Arezzo e Grupo Soma, terá lastro para isso, seja em número de pessoas que ela impacta diretamente — são mais de 24 000 funcionários —, seja em número de lojas, seja em número de marcas. Queremos ser o suporte de transformação da moda brasileira para que ela possa ganhar a notoriedade e a organização que merece.
Por que o senhor, entre cinco irmãos, foi o escolhido para administrar a empresa? Não é que fui escolhido. Comecei a trabalhar com meu pai aos 5 anos de idade. Aos 12 anos, já era funcionário da fábrica. Tive minha graduação internacional como modelista de calçados na Itália. Aos 17 anos, já falava italiano e inglês fluentemente e era técnico em modelagem de calçados. Aos 18, fundei a minha própria marca, com um pequeno investimento do meu pai. Em 2007, a Arezzo&Co foi resultado da fusão com a marca que criei, que é a Schutz. Estou aqui há trinta anos e conheço profundamente a empresa.
“Estou muito incomodado com a moda brasileira. Ela está perdida e desorganizada”
O senhor diria então que, entre os irmãos, era o mais preparado para assumir a companhia? Eu estava mais preparado para ser CEO, até por questões de relação com o mercado de capitais, mais visão de modernidade e de desenvolvimento de vendas digitais. Meu pai não era muito aberto à questão do e-commerce, então foi natural que eu assumisse a empresa em 2013.
Além de ser CEO, o senhor se define como um designer. Onde encontra inspiração para fazer uma nova coleção? Eu não sei o que é escolher uma carreira, não entendo como funciona essa dúvida. Para mim, é algo natural, como respirar e comer. Com 5 anos de idade, eu montava caixa de sapato com meu pai. Essa trajetória, agora aos 47 anos, veio como um processo inevitável. Existe a marca Alexandre Birman, em que imprimo um estilo mais pessoal. Mas eu diria que o Brasil é a minha inspiração.
Poderia ser mais específico? Para mim, não existe nada mais incrível na arquitetura mundial do que Brasília, Oscar Niemeyer e os grandes designers que desenharam os móveis para equipar os prédios. É uma história fascinante. Eu sou um grande propagandista desse Brasil modernista dos anos 50. Não houve na Europa e muito menos nos Estados Unidos nada comparável a esse movimento.
Como o senhor concilia o trabalho de CEO com o de designer? Eu só consigo olhar as coisas com o viés de criação. Eu cuido de todos os detalhes visuais de algo, está dentro de mim, de meu modo de trabalhar. Mas existe uma divisão de tarefas. A tendência é que, em um produto e uma marca, eu exerça um papel mais consultivo e menos decisório. No papel de executivo, procuro me cercar de pessoas com muito conhecimento. Adoro conversar com investidores e analistas, ser questionado pelo mercado, fornecer detalhes e projetos da empresa. Além disso, sempre estou acompanhando as tendências e procuro também fazer algumas imersões, cursos de formação e de evolução profissional. O último foi na Singularity University, nos Estados Unidos, pouco antes da covid-19. Agora, estou buscado uma nova imersão, talvez na Ásia, provavelmente no ano que vem.
Qual foi o maior desafio que enfrentou em sua trajetória empresarial? Nada se compara à crise de covid-19. Para qualquer empresário que viveu a pandemia, se você perguntar, acho que essa será a resposta inevitável. Não houve nada mais impactante na história recente. Mas isso nos deu uma base muito sólida. Há uma frase famosa que descreve bem esse cenário: “O que não me mata me torna mais forte”. A crise trazida pela pandemia foi algo muito desafiador, mas nos fortaleceu.
Publicado em VEJA, abril de 2024, edição VEJA Negócios nº 1