Harry Truman, presidente dos EUA, certa vez pediu um economista com apenas uma mão, exasperado, diz a lenda, com aqueles que davam sua opinião sempre com alguma espécie de seguro — na expressão em inglês, “on one hand” e “on the other hand”, o nosso popular “por outro lado”. No caso, o resultado do PIB em 2020, requer vários “por outro lado”, mas o mais importante, no final das contas, é que não garante a recuperação da economia em 2021.
De fato, a queda de no ano passado, 4,1% segundo dados (preliminares) divulgados nesta quarta-feira, 3, foi a terceira maior da história, inferior apenas às observadas em 1981, resultado dos erros de política econômica em 1980, e 1990, ano do malfadado Plano Collor, mais um erro grotesco de política econômica. Ao contrário desses casos, e da recessão de 2014-2016, a queda não se originou de barbeiragens na condução da economia, mas da necessidade de lidar com uma grave crise sanitária que obrigou à virtual paralisia da atividade econômica no período de março a maio (ou junho), expressa na retração pouco superior a 11% na primeira metade do ano, fenômeno inédito na história nacional.RelacionadasEconomiaPIB do Brasil: o desempenho da economia diante da pandemia, em númerosEconomiaSegunda metade do governo Bolsonaro se inclina para populismo econômicoEconomiaPedro Jobim: 2ª década perdida acabou; será o fim de décadas perdidas?
A recuperação, vitaminada entre outras coisas pelo generoso auxílio emergencial, foi também vigorosa, embora o PIB do último trimestre do ano passado ainda tenha ficado 1,1% abaixo do registrado no final de 2019, imediatamente antes do impacto da pandemia. Apesar da recuperação rápida, embora incompleta, não podemos concluir que completaremos o famoso “V”, isto é, o retorno ao nível pré-crise em poucos trimestres. Por mais perto que estivéssemos disso ao final do ano passado, duas forças agora se interpõem.
Uma delas é o fim do auxílio. Em retrospecto, foi, como dissemos, generoso, talvez em excesso. Segundo o IBGE, a queda do emprego, dentre trabalhadores formais e informais, atingiu no pior momento um universo considerável de 14 milhões de pessoas; o auxílio, porém, foi estendido a 68 milhões, um conjunto quase 5 vezes maior. Sem dúvida ajudou a impulsionar o consumo, particularmente de bens: por exemplo, as vendas no varejo superaram o patamar anterior à crise. Todavia, custou 326 bilhões de reais, equivalente a 4,4% do PIB. Sua remoção na virada do ano, com o nível de emprego ainda perto de 8 milhões abaixo do registrado em fevereiro, deve tirar o fôlego do consumo.
A segunda força é a persistência da epidemia. O distanciamento social que ela obriga, em parte por regulação do setor público, em parte (possivelmente mais importante) pelo próprio receio de contaminação, já foi o principal vento contrário à recuperação do setor de serviços, que acumulou queda de 7% ano passado. Os serviços são, justamente, o maior setor da economia e, de longe, o principal empregador.
Ocorre que a epidemia se aprofundou no Brasil no início desse ano. Vivemos o momento com maior número de novos infectados e o recorde em termos de mortes decorrentes da doença. Isso não só amedronta a população, como recentemente tem forçado os governos locais a retomarem medidas de distanciamento para evitar o colapso de seus sistemas de saúde. Colabora, e muito, para isso a postura omissa do governo federal no enfrentamento à doença, inclusive no que diz respeito ao indesculpável atraso da vacinação.
Tudo indica que o Congresso irá restabelecer o auxílio, talvez em bases menos liberais que em 2020, mas sem medidas que impeçam aumento ainda maior da dívida pública. Pode ajudar no curto prazo, mas lança dúvidas importantes sobre a sustentabilidade da dívida, elevando o risco de crises à frente.
Contudo, sem o controle efetivo da epidemia, mesmo a nova rodada do auxílio não deve evitar contração da atividade econômica nos primeiros meses do ano. A fraca base de comparação em 2020 deve ajudar a registrarmos algum aumento do PIB em 2021, entre 3,0% e 3,5%, mas a recuperação plena ainda parece muito além da nossa escassa capacidade.
* Alexandre Schwartsman, é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil