Na noite da terça-feira 2, o Brasil foi dormir com a notícia de que, mais uma vez, havia batido recorde no número de óbitos em decorrência da Covid-19. A doença somara mais 1.262 vidas às tristes estatísticas, que somam mais de 30 mil óbitos por coronavírus. Instado por uma apoiadora a levar uma palavra de conforto às vítimas, o presidente Jair Bolsonaro recorreu à improbidade verbal que lhe é peculiar: “Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. No dia seguinte, nesta quarta-feira, 3, depois de uma queda de 2,3% durante o pregão, o dólar encerrou o dia cotado a 5,08 reais, o menor valor desde março. Sempre sensível às falas no âmbito político, o mercado aprendeu a ignorar as falas do presidente. “O mercado se acostumou com o governo neste um ano e meio. Não sei até que ponto se leva mais a sério cada comentário feito pelo Bolsonaro”, diz Orlando Assunção, professor de economia da Faap. Devidamente escanteado, o mercado volta os olhos para as diretrizes do ministro da Economia, Paulo Guedes (que, felizmente, até o fechamento desta reportagem não havia comentado o câmbio) e as diretrizes do Banco Central.
Como aponta VEJA em reportagem publicada nesta segunda-feira, os mercados se esforçam para retomar a confiança no Brasil, mas o movimento é puramente especulatório. A injeção bilionária por parte do Banco Central de moeda na economia fez o mercado financeiro ficar entufado de dinheiro, portanto, trata-se de uma alta financeira, não de reflexos da economia real. O desemprego pulula, mas mercado adora estabilidade: o arrefecimento da crise política, com o baixo impacto jurídico para o mandato de Bolsonaro da divulgação da reunião ministerial de 22 de abril, e a ausência de fatos novos nas investigações que envolvem o presidente e seus aliados e filhos arrefeceram minimamente as tensões no país — a curto prazo. “Os fatores que podem complicar a fragilidade do real estão aí. A política tende a continuar em alta temperatura, os juros continuam baixos. Além disso, nossos problemas fiscais estão longe de estar resolvidos, pelo contrário, e a pandemia ainda promete piorar. Os motivos a curto prazo para o dólar perder força não devem estar presentes até o final desse mês”, diz André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.
Um conjunto de fatores externos propiciou que o dólar voltasse a patamares, digamos, mais confortáveis que os nababescos 5,90 reais. O caos instaurado nos Estados Unidos pela morte de George Floyd, um americano negro de 49 anos brutalmente assassinado por um oficial de polícia, mostra-se um cenário sem controle rápido por parte do presidente Donald Trump, às vésperas de uma eleição presidencial, que ocorrerá em novembro. “Se Trump abafa os movimentos à força, pode-se ter um reflexo negativo para a reeleição. Se as manifestações se postergam, também respinga nele. É um momento muito conjuntural”, diz Assunção. Pode até parecer que não, mas ainda estamos em meio à pandemia, o que vai refletindo-se nos números da economia americana: 40 milhões de desempregados e dados pavorosos de crescimento econômico. Apesar de parecer que os Estados Unidos tenham atingido o ápice, o ritmo de queda no número de mortes e novas infecções pela Covid-19 não está sendo tão rápido quanto nos países da Europa, trazendo mais incerteza para a retomada com fôlego da economia do país.
Apesar da deliberada diretriz de que o dólar conquiste patamares mais elevados em decorrência de juros mais baixos por parte do Ministério da Economia, pagar 5,90 reais por 1 dólar é um cenário irreal, que apenas indicava o pânico dos investidores com as águas turbulentas em que navega o país. “O câmbio efetivo, que reflete a paridade de compra das moedas, estava muito alto. Já estamos dando um primeiro passo no processo de reabertura da nossa economia, não sei se certo ou errado, o que ajuda nesse processo de apreciação cambial”, diz Assunção, da Faap. A retomada das economias ao redor do mundo, principalmente a da China e as de países europeus, também aumentam a expectativa quanto às exportações do país. Com o dólar em patamares mais elevados, os produtos brasileiros, principalmente as commodities, tornam-se mais atraentes para nações que já passaram pelo pior na crise de saúde. Potências brasileiras responsáveis por exportação de produtos tidos como primordiais para a economia brasileira, como a Vale, que exporta toneladas de minério de ferro, principalmente para a China, fortaleceram-se nos últimos dias, com a demanda mundial subindo. Temporariamente, o Brasil agradece.