Aplicativos de transporte, como Uber e 99, enfrentam sua maior crise
Aumento do preço dos combustíveis e outros fatores fazem motoristas recusar chamadas e até desistir do trabalho


Desde que os aplicativos de transporte chegaram ao Brasil, há sete anos, sacudindo cooperativas de táxi e criando novos hábitos de ir e vir, jamais se viu tamanha insatisfação com o serviço. Nos grandes centros, principalmente, proliferam queixas de usuários quanto ao cancelamento de corridas e ao longo tempo de espera. Todos parecem frustrados — clientes, motoristas e mesmo as empresas que fornecem o serviço, como a Uber e a 99, que perdem cada vez mais receita em um cenário de caos provocado pelo aumento estratosférico do preço dos combustíveis e do aluguel de veículos e até pela falta de carros para trabalhar.
Motoristas de aplicativo costumam recusar corridas para regiões tidas como perigosas, especialmente à noite. No entanto, o que tem causado desistências agora é uma equação simples: se o trajeto até o cliente for longo e a viagem for curta, ele ficará com saldo negativo — então é melhor simplesmente desistir em favor de um passageiro mais próximo. “É uma triste realidade, mas nós mesmos aconselhamos o motorista a cancelar corridas curtas”, diz Eduardo Lima, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (Amasp). Além do custo proibitivo dos combustíveis e da locação de veículos, Lima aponta o congelamento das tarifas como um outro entrave para o negócio.
Assim como acontece com os taxistas, o valor que fica com o motorista de aplicativo varia de acordo com a quilometragem percorrida e o tempo gasto no trajeto. Além disso, entra na conta a categoria do veículo — os de luxo recebem mais que os populares. Ao que tudo indica, descontados o combustível e a taxa das prestadoras, a receita líquida que cabe ao condutor é irrisória e nem mesmo cobre as despesas fixas caso o carro seja alugado. Por causa disso, estima-se que, somente na cidade de São Paulo, cerca de 30 000 motoristas — ou 25% do efetivo — tenham desistido. Genauro Araújo, de 42 anos, deve engrossar essa lista em breve. “Só não parei ainda porque não encontrei emprego em outra área”, diz ele, que hoje trabalha catorze horas para ganhar o que faturava antes em oito.
Do lado dos clientes, a vida também ficou mais complicada. Chamadas não atendidas resultam em compromissos perdidos. Além disso, com a redução da frota, sobem os preços das corridas, principalmente nos picos de movimento. Muita gente que abriu mão de ter carro, na confiança de que Uber e 99 ficariam cada vez mais rápidos, baratos e sofisticados, hoje se pergunta se não teria sido melhor ter deixado o veículo na garagem, ainda mais agora com a valorização dos usados. A oferta do serviço tem caído no horário comercial dos dias úteis, justamente quando mais se precisa do transporte, uma vez que uma boa parcela dos motoristas mudou para o turno da noite, quando há menos trânsito e eles podem abrir mão do ar-condicionado, queimando menos combustível. Por outro lado, a demanda nos fins de semana tem crescido devido à abertura de bares e restaurantes, o que incentiva motoristas a buscar clientes às sextas e aos sábados nas regiões boêmias, onde a procura concentrada aumenta o valor da corrida. O resultado, mais uma vez, são menos opções para quem precisa do serviço nas manhãs e tardes dos dias úteis.

Em meio à torrente de insatisfação dos dois lados, motoristas protestam contra novas categorias — Uber Promo e 99Poupa —, que barateiam a corrida para o usuário, mas remuneram ainda menos o condutor. As empresas dizem que a promoção visa a minimizar os efeitos da pandemia e que os motoristas são livres para rejeitar esse tipo de corrida, certamente criada para trazer de volta clientes que desistiram de viajar por falta de dinheiro. Dessa forma, perdem todos: os usuários e os que investiram na profissão como alternativa de sustento. Também perdem os que apostaram nos aplicativos como solução para o transporte e que agora assistem ao negócio frear à primeira crise.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753