Após mais de uma década de espera, H&M chega ao Brasil em disputa feroz do varejo de moda
Rede sueca inaugura lojas em São Paulo e Campinas, mas precisará vencer concorrentes já consolidados e aprender com fracassos de GAP e Forever 21

No início, tudo são flores, mas a varejista de moda sueca H&M, que acaba de inaugurar suas duas primeiras lojas no Brasil, terá de enfrentar muitos espinhos para conquistar espaço no concorrido mercado local, cujo faturamento projetado para 2025 é de 229 bilhões de reais. Com um atraso de doze anos em relação aos planos originais de chegada, a gigante do fast-fashion — que opera mais de 4 000 pontos de venda em oitenta países — entra em um campo já dominado por concorrentes de peso. Entre elas, Riachuelo, Renner e Hering, de capital nacional, C&A e Zara, vindas da Holanda e da Espanha, além das chinesas Shopee e Shein, potências no comércio eletrônico. Todas disputam a dianteira de um segmento marcado pela velocidade na oferta de novos produtos ao público. “O mercado amadureceu e ergueu barreiras competitivas bem altas”, diz Patrícia Diniz, professora de moda e beleza da ESPM. “A concorrência é experiente e capilarizada, mas os suecos chegam com entusiasmo e bem posicionados globalmente. O desafio será manter essa empolgação no longo prazo.”

Fundada em 1947, em Västerås, a H&M escolheu a cidade de São Paulo como porta de entrada para a passarela verde-amarela. Entre o fim de agosto e o início de setembro, inaugurou 1 000 metros quadrados de área de vendas no Shopping Iguatemi e mais 2 000 no Shopping Anália Franco. O próximo endereço, ainda neste ano, será em Campinas, epicentro de uma das regiões de maior renda per capita do país. A estratégia de se instalar em pontos frequentados pela alta renda contrasta com a política de preços acessíveis: de 60 a 1 500 reais nas linhas feminina, masculina e infantil. O apelo está no design contemporâneo com custo ao alcance de uma ampla base de consumidores. “Daremos passos curtos e seguros”, resume Joaquim Pereira, chefe da operação no Brasil e ex-integrante da equipe da H&M na Austrália. Segundo ele, essa cautela diferencia a marca de outras estrangeiras que não resistiram no mercado local. É uma referência indireta aos tropeços das americanas GAP e Forever 21. Ambas desembarcaram no Brasil em 2013 e 2014, mas uma combinação de dificuldades financeiras externas e estratégias equivocadas de expansão levou à rápida derrocada: a GAP fechou suas dez lojas após apenas três anos e a Forever 21 encerrou suas quinze operações no país em 2022.
Por ironia, o mesmo 2013 que marcou a chegada fracassada da GAP ao Brasil fazia parte do plano original de estreia da H&M por aqui. A estratégia acabou sendo revista, e a companhia optou por iniciar sua expansão latino-americana em outros mercados, como México, Uruguai, Peru, Colômbia e mais dez países. A decisão refletia tanto as incertezas do ambiente econômico brasileiro naquele período quanto a avaliação de que havia destinos mais previsíveis e menos arriscados para os suecos. “Foram muitos anos prospectando o Brasil, mas priorizamos mercados com outros perfis”, diz Magnus Olsson, gerente da H&M para o Hemisfério Sul. “Agora a nossa vinda se tornou viável.” O atraso de mais de uma década, entretanto, fez com que a empresa desembarcasse em um cenário muito mais competitivo, no qual terá de provar sua capacidade de se diferenciar para conquistar o consumidor brasileiro.

“A H&M é um player sólido nos aspectos financeiro, comercial e criativo, mas o veredicto sobre se conseguirá repetir no Brasil o sucesso que alcançou no exterior só virá nos próximos meses”, pondera Lorena Borja, titular da consultoria Lollab. Para ela, o atual cenário econômico é favorável à manutenção de uma operação de grande porte. O comércio de moda brasileiro vem crescendo em ritmo superior ao do varejo ampliado, o que tem alimentado um clima de otimismo — por vezes, de euforia — entre os empresários do setor. No primeiro semestre, uma pesquisa da Associação Brasileira do Varejo Têxtil, que reúne 100 marcas de moda, mostrou que 92% registraram aumento nas vendas em lojas físicas e 77% também viram avanço no comércio digital. No campo macroeconômico, os níveis de emprego estão entre os mais altos das últimas décadas, acompanhados de ganhos de renda. E, até o fim do ano, quando a presença da H&M ainda será novidade, o pagamento do décimo terceiro salário deve injetar 320 bilhões de reais extras na economia, o que representa um estímulo de peso para o consumo.
Os benefícios do mercado de moda brasileiro já vêm sendo colhidos, há décadas, pela maior rival global da gigante sueca. Ao lado da própria H&M, a Zara é considerada a mãe do conceito de fast-fashion. Em agosto, a marca espanhola completou 26 anos de operação no Brasil com um currículo de êxitos: da primeira loja no MorumbiShopping, em São Paulo, a uma rede de 53 pontos espalhados pelo país. Líder isolada do segmento, detém 24% de participação, bem à frente da Renner (18%) e da C&A (15%). “O público tende a sair ganhando com o acirramento da concorrência”, afirma a consultora de imagem e estilo Fernanda Hinteregger. “Além da disputa em qualidade e preço, as marcas devem aprofundar o diálogo com consumidores cada vez mais atentos a propósito, identidade e estilo de vida.” A H&M, por sua vez, promete adotar práticas de economia circular e priorizar fornecedores nacionais alinhados a metas de sustentabilidade — trata-se de um discurso que busca conquistar não apenas pelo design, mas também pelo compromisso ambiental e social.

O peso estratégico atribuído pelos suecos ao mercado brasileiro ficou claro na cerimônia de inauguração da loja do Iguatemi, marcada pela presença da cúpula mundial da companhia. Com tesouras nas mãos, o chairman Karl-Johan Persson, o CEO global Daniel Ervér e o manager Magnus Olsson comandaram o corte da fita, enquanto a equipe de vendas, respaldada por um arranjo trabalhista que garante a jornada 5 por 2, comemorava. Nos meses anteriores, esse time havia passado por um rigoroso treinamento em uma loja-modelo de 350 metros quadrados, montada exclusivamente para esse fim no shopping Market Place e mantida de portas fechadas ao público. Agora, com o palco armado e os holofotes acesos, chegou a hora de conferir se a H&M será capaz de transformar entusiasmo em presença duradoura no Brasil.
Publicado em VEJA, setembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 18