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Após superar desconfiança, Haddad tem desafio de desatar nó do crescimento

A equipe econômica deu andamento a reformas no primeiro semestre. Agora, precisa resolver o Orçamento e aprovar o arcabouço fiscal

Por Pedro Gil Atualizado em 4 jun 2024, 10h16 - Publicado em 17 ago 2023, 19h30

Em dezembro do ano passado, quando o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva sacramentou o nome de Fernando Haddad como futuro ministro da Fazenda, um vídeo com não mais que trinta segundos de duração viralizou nas redes sociais. Nele, o ex-prefeito de São Paulo diz que havia estudado economia por apenas dois meses e que tinha o hábito nada correto de colar dos colegas nas provas. Por mais que se tratasse, obviamente, de uma brincadeira, a declaração feita em uma palestra em 2017 foi tratada como uma confissão. Agentes do mercado financeiro e analistas políticos cravaram que a gestão na Fazenda seria uma tragédia, e não foram poucos os que apostaram em um cenário de terra arrasada para a economia brasileira. Nos primeiros meses de governo, contudo, a agenda reformista associada aos sinais de que haveria responsabilidade fiscal levou velhos críticos a mudar de opinião. E Haddad passou a ser visto como uma voz dissonante em uma administração inclinada à gastança sem freios. Na economia, porém, os desafios jamais cessam. Agora, o ministro tem diante de si a difícil missão de colocar em prática aquilo que foi exaustivamente debatido no primeiro semestre — chegou a hora, afinal, de desatar os nós que podem emperrar o avanço do país.

DESAFIO - Tebet: para a ministra, só a reforma tributária será capaz de fazer o Brasil crescer de forma sustentável
DESAFIO - Tebet: para a ministra, só a reforma tributária será capaz de fazer o Brasil crescer de forma sustentável (Cristiano Mariz/Agência O Globo/.)

Um ponto de partida será a aprovação do Orçamento federal para 2024. Pelas regras do jogo, o governo precisa apresentar sua proposta para o Congresso até 31 de agosto. Habitualmente, esse processo tem duas etapas. A primeira é a votação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), definindo assim as regras que servirão, na fase seguinte, para a confecção da Lei Orçamentária Anual (LOA). Não haveria nada de mais nessas diretrizes se um complicador não tivesse sido adicionado à equação.

arte Haddad

Antes de aprovar o Orçamento , o governo deseja votar o arcabouço fiscal, o conjunto de normas que colocará algum tipo de freio nas contas públicas ao mesmo tempo que permitirá a realização dos investimentos previstos pela atual gestão. Sem o desfecho do arcabouço, o novo Orçamento se sujeitará às regras anteriores, que ficaram conhecidas como “teto de gastos”. Eis aqui o grande problema: pela fórmula antiga, o governo seria obrigado a cortar 168 bilhões de reais em despesas, o que certamente comprometeria boa parte de seus projetos para o ano que vem.

Parece muito claro, portanto, que o governo estaria condenado ao fracasso sem o desfecho do arcabouço fiscal. Para isso, é preciso contar com a presteza do Congresso, algo que, em um país como o Brasil, depende essencialmente das boas relações políticas. Nesse campo, Haddad até que vinha se saindo bem, dialogando com as diferentes forças da sociedade, mas falhou há alguns dias ao conceder uma entrevista em que lamentou o excesso de poder da Câmara.

PRESSA - Arthur Lira: o presidente da Câmara prometeu dar celeridade à votação do novo marco fiscal
PRESSA - Arthur Lira: o presidente da Câmara prometeu dar celeridade à votação do novo marco fiscal (Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

Como era de esperar, Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Casa, sentiu-se melindrado, e até cancelou uma reunião agendada com o ministro para discutir a tramitação do marco fiscal. Depois de mandar o recado, Lira voltou a apaziguar os ânimos e garantiu que o projeto deverá ser votado na próxima terça-feira, 22. “O Brasil sofre constantemente porque na maior parte do tempo a política interfere no ambiente econômico”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, agência que, em julho, aumentou a perspectiva da nota de crédito do país.

É consenso entre especialistas que o marco fiscal desenhado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, só funcionará se houver aumento relevante das receitas — ou seja, crescimento da arrecadação. Nesse contexto, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, assegura que estão no forno diversas iniciativas que se destinam a cumprir esse objetivo. De todo modo, o arcabouço, ainda que longe do ideal, traz a segurança de que o terceiro governo Lula não repetirá os erros do PT no passado recente, especialmente na gestão Dilma Rousseff, quando o descontrole de gastos levou o país a uma crise econômica sem precedentes. Daí a urgência de votar o marco fiscal quanto antes, e assim dar continuidade às discussões em torno do Orçamento de 2024.

O temor é que a pauta política turve o ambiente favorável que se anunciava. Com o início da queda de juros, a safra agrícola recorde, a aprovação em primeiro turno da reforma tributária e o próprio arcabouço fiscal, o mercado começou a ajustar expectativas para o crescimento da economia em 2023. Se em janeiro os analistas previam um avanço de 0,8% do produto interno bruto (PIB) neste ano, agora projetam 2,3%. Indicadores recentes, de fato, corroboram o otimismo. Indústria, comércio e serviços registraram aumento dos níveis de produção e do emprego no segundo trimestre. Associe-se a isso a redução expressiva dos índices de incerteza na economia (veja o quadro) — métrica que, afinal, sinaliza a confiança nos rumos do país —, e o que se tem é um cenário em que o Brasil parece pronto para deslanchar.

EM EXPANSÃO - Fábrica de tecidos: indicadores da indústria melhoraram
EM EXPANSÃO - Fábrica de tecidos: indicadores da indústria melhoraram (Luisa Dorr/Bloomberg/Getty Images)

Não significa, ressalve-se, que não há obstáculos pelo caminho. O primeiro deles é a disposição do governo para tomar decisões equivocadas. Uma delas foi corrigida a tempo: a Petrobras teve permissão para reajustar o preço dos combustíveis e reduzir a defasagem de preços em relação às cotações internacionais. A medida saudável não deveria ser motivo de grandes debates, mas o histórico de ingerência dos governantes brasileiros na empresa mostra que, muitas vezes, o país parece ter compromisso inadiável com o erro. “Vimos neste ano a tentativa de retroceder conquistas consolidadas, como o marco legal do saneamento, a autonomia do Banco Central e a privatização da Eletrobras”, diz o economista Carlos Kawall, sócio da gestora Oriz e ex-secretário do Tesouro Nacional.

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Para a maioria dos economistas, a agenda de reformas é o que dará fôlego extra às atividades. “Se elas forem aprovadas, puxaremos para cima o nosso PIB potencial”, afirma o economista Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do banco Santander. Para usar um jargão futebolístico: a tributária está na marca do pênalti, devendo ser finalizada em no máximo dois meses. “Só tem uma forma de o Brasil crescer pela primeira vez em quarenta anos de forma sustentável e equilibrada: com a aprovação da reforma tributária”, disse a VEJA Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento.

DE GRÃO EM GRÃO - Produção de soja: recordes do agro impulsionam o PIB
DE GRÃO EM GRÃO - Produção de soja: recordes do agro impulsionam o PIB (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images)

Uma questão que traz dor de cabeça para a equipe de Tebet são os precatórios, dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos. A ministra afirma que o ideal é não classificá-los como despesa financeira, e achar um jeito de garantir os pagamentos. Isso se daria por meio de um Proposta de Emenda à Constituição (PEC), cuja aprovação depende do voto favorável de 308 deputados. Sem a PEC, o governo teria mais um nó apertado a desatar: estima-se que o passivo poderá superar 200 bilhões de reais em 2027.

O histórico recente mostra que o crescimento econômico do Brasil não passou de alguns “voos de galinha” — uma decolagem logo seguida de queda. Na última década, o PIB global cresceu em média 3% ao ano. Entre as maiores economias emergentes, o desempenho foi de 3,3%. Quando se extrai apenas o dado brasileiro, a decepção fica inevitável: 0,6% de expansão média. Mais que se igualar aos pares, crescer de forma robusta é uma necessidade em um país desigual como é o Brasil. Potencial não nos falta.

Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855

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