Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Aposta do governo nos juros altos muda padrão de investimentos no país

A elevação da taxa Selic traz de volta as aplicações em renda fixa, um recurso que pode afetar o mercado de ações

Por Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 12h45 - Publicado em 19 set 2021, 08h00

Em março deste ano, a economia brasileira viu pela primeira vez algo que não acontecia há quase seis anos: o aumento da taxa básica de juros (Selic), pelo Banco Central. Desde julho de 2015, o índice mantinha-se em queda, que chegou a acumular 14,25%, até alcançar o piso recorde de 2%, reflexo de um movimento intensificado em 2020 como forma de conter os efeitos da crise econômica causada pela pandemia de Covid-19. Nesse processo, uma verdadeira revolução aconteceu no mercado de capitais brasileiro. Sem poder contar mais com a opção de ganhos fáceis e de pouco risco permitida pelos investimentos atrelados a juros altos, investidores pessoais e institucionais se voltaram para as ações na bolsa de valores para ter rendimentos maiores. Com isso, a B3, que havia superado em 2019 o número de 1 milhão de investidores cadastrados, agora já se aproxima da marca de 4 milhões.

Mas, com a recente explosão da inflação, o cenário mudou dramaticamente. O BC precisou reverter a tendência de baixa de juros e voltou a aumentar a Selic, como forma de desaquecer a atividade econômica e os consequentes aumentos de preços de produtos e serviços. Somada essa preocupação inflacionária com o risco fiscal e a pressão do mercado por mais retorno para aceitar se aventurar no tumultuado ambiente político-econômico brasileiro, a tendência de novas altas continua. A expectativa para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária, do BC, na quarta-­feira 22, é de que a Selic ganhará mais um ponto porcentual e atingirá 6,25% ao ano. Até dezembro, a estimativa é de que ela atinja a marca de 8% e que possa bater nos 9,5% em 2022. À medida que ela sobe, também os juros de longo prazo cobrados pelos investidores avançam, e diversas aplicações de renda fixa já pagam mais de 10% ao ano para aportes de médio e longo prazo.

É o suficiente para o que muitos analistas chamam de uma ressurreição da renda fixa, em detrimento do mercado de ações, que sofre seguidas quedas desde que o presidente Jair Bolsonaro intensificou os seus discursos incendiários há cerca de dois meses. Um estudo realizado pela plataforma Yubb, que mapeia 8 500 investimentos de 237 instituições, mostrou que o interesse por esses ativos vem aumentando. Em julho e agosto, os CDBs ficaram em primeiro lugar nas buscas, enquanto no trimestre anterior os mais procurados foram as ações.

A mesma tendência é observada nos títulos públicos. De acordo com dados do Tesouro Nacional, o estoque dos títulos do Tesouro Direto alcançou 67,89 bilhões de reais em julho, um aumento de 2,3% em relação ao mês anterior, e de 9,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Como não poderia deixar de ser num momento como o atual de alta de preços, os mais atrativos têm sido os títulos com remuneração atrelada à inflação, com 54,8% do total, e os indexados à Selic, com 25,5%.

Continua após a publicidade

arte renda fixa

O aumento do interesse na renda fixa também vem sendo observado entre os investidores institucionais e fundos de investimentos. Dados da Anbima, a associação que representa as entidades do mercado financeiro, mostram que os fundos de renda fixa bateram o recorde mensal em captação ao arrecadar saldo positivo de 40,9 bilhões de reais em agosto. Fundos de gestoras reconhecidas como os do SPX Capital e o de hedge, de proteção, da Asa Investments, criada pelo banqueiro Alberto Joseph Safra, anunciaram nos últimos dias que estão zerando as suas posições na bolsa brasileira.

Nas corretoras de investimento, a situação não é diferente. A Nexgen Capital, por exemplo, viu sua exposição de ativos de renda fixa ligados ao índice de inflação IPCA aumentar de 15% para 25% dos valores de clientes que assessora. Além disso, há ainda uma tendência de direcionar recursos para investimentos pós e prefixados em créditos privados, dívidas que as empresas tomam e que são empacotadas sob instrumentos conhecidos por siglas como CRI (créditos recebíveis imobiliários) e CRA (créditos recebíveis do agronegócio) ou debêntures indexadas à inflação. “O que tem acontecido é uma realização de lucros em renda variável por parte dos clientes, que estavam concentrados em ações para capturar o potencial de alta da bolsa quando ela estava fortemente impactada pela pandemia, e agora estão realocando os seus investimentos”, diz Daniel de Paula, fundador da Nexgen. “O investidor moderado, que fica no meio-termo entre o conservador e o agressivo, hoje tem de 5% a 10% de sua carteira em ações, ante 15% a 20% anteriormente.”

Continua após a publicidade

Embora a renda fixa seja positiva para os investidores, ao dar rendimentos mais garantidos sem a necessidade de arriscar em negócios ou empresas específicas, o mesmo não pode ser dito sobre a economia do país como um todo. “Grande parte desses investimentos em renda fixa vai para o governo, e isso gera menos riqueza que o investimento privado. Eles são bons para a decisão pessoal do cidadão, que está se protegendo contra a inflação, mas não necessariamente para o país no curto prazo, porque implica menos crescimento”, diz João Mauricio Rosal, economista-chefe da corretora Guide Investimentos. A preocupação é de que esse movimento atual possa causar um retrocesso de uma evolução que o Brasil conquistou a duras penas, depois de décadas de juros nas alturas.

Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 9,98 por revista)

a partir de 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.